Uma investigação do The Wall Street Journal revela que o Facebook tem conhecimento, há vários anos, dos efeitos tóxicos que o Instagram tem nos seus utilizadores, especialmente nas raparigas adolescentes. Nos últimos três anos, o Facebook realizou estudos internos que consistiram em questionários online a 2.500 adolescentes no Reino Unido e nos Estados Unidos da América, apesar de nunca os ter tornado públicos.
Segundo estes estudos, apresentados internamente a alguns colaboradores do Facebook, 32% das adolescentes afirmam que o Instagram as faz sentirem-se pior com o seu corpo. Um caso relatado é o da adolescente norte-americana Anastasia Vlasova, de 18 anos. Anastasia começou a utilizar o Instagram aos 13 anos, e afirma que o tempo que passava na aplicação – chegando a três horas diárias – a levou a desenvolver um distúrbio alimentar. “Quando ia ao Instagram, só via fotografias de corpos esculpidos, abdominais perfeitos e mulheres que conseguiam fazer 100 burpees em 10 minutos”, diz. “Apercebi-me que o Instagram estava a amplificar o meu distúrbio alimentar. Foi aí que fiz a ligação entre as redes sociais e a minha saúde mental”. Atualmente, Anastasia já não usa o Instagram e está a ser acompanhada por um psicólogo.
Os estudos internos levados a cabo pelo Facebook tinham como objetivo perceber se casos como este eram fenómenos isolados ou se faziam parte de algo mais generalizado. Concluíram que, para um número cada vez maior de utilizadores, em particular os mais jovens, a utilização da aplicação Instagram tinha efeitos nocivos. “Nós afetamos a imagem que uma em cada três raparigas tem do seu corpo”, refere um slide de uma apresentação interna do Facebook em 2019.
A mesma apresentação demonstrou que “os adolescentes associam o Instagram ao aumento dos casos de ansiedade e depressão”. E entre os adolescentes que reportaram ter tendências suicidas, 13% dos utilizadores britânicos e 6% dos utilizadores norte-americanos disseram que estas tendências estavam ligadas à utilização da rede social.
No entanto, as declarações públicas de Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, e Adam Mosseri, atual diretor do Instagram, contrastam com estes dados. “Os estudos que conhecemos demonstram que utilizar aplicações ou redes sociais para interagir com outras pessoas pode ter efeitos positivos na saúde mental”, afirmou Zuckerberg em março deste ano, quando foi questionado acerca da saúde mental das crianças e jovens. Quando Mosseri foi questionado em maio por repórteres sobre os efeitos do Instagram na saúde mental, disse que os estudos que conhecia demonstravam que o impacto da aplicação no bem-estar dos adolescentes era “muito reduzido”. Não referiu qualquer estudo interno do Facebook.
Além de minimizar a dimensão do problema, o Facebook nunca disponibilizou a informação que tinha em mãos a académicos ou responsáveis governativos que a solicitaram. E percebe-se porquê: mais de 40% dos utilizadores do Instagram têm menos de 22 anos de idade, e cerca de 22 milhões de adolescentes utilizam o Instagram diariamente, só nos Estados Unidos da América. O Instagram é uma das redes sociais com mais apelo para os jovens – uma faixa etária que o Facebook não pode arriscar perder.
Os mesmos estudos revelaram outros dados preocupantes. Dos adolescentes que disseram sentir-se sozinhos, 21% dos adolescentes americanos e 18% dos britânicos afirmaram que esse sentimento estava ligado ao Instagram. Além disso, concluíram que o Instagram tem uma grande influência na vidas e estados de espírito dos adolescentes. Uma inquirida afirmou: “Tive de me impedir de ir ao Instagram logo de manhã, porque a aplicação tem imenso poder na maneira como me sinto. Por isso, tento ter algum tempo só para mim para decidir como vai ser o meu dia”.
Muitos adolescentes referem que o que contribui para os altos níveis de depressão e ansiedade é o fator de comparação que vem com a utilização da aplicação. É claro que o perfecionismo e a comparação social não são fatores inerentes às redes sociais. Mas as respostas dos inquiridos demonstram que o Instagram exacerba esta tendência, em contraste com outras redes sociais. O TikTok, por exemplo, funciona na base da performance, em que os utilizadores partilham vídeos de danças ou DIY’s. O Snapchat, por sua vez, tem um ênfase em filtros engraçados que distorcem as feições dos utilizadores, ao invés dos filtros embelezadores mais típicos do Instagram. Ambas estão associadas a uma experiência menos séria e a uma interação mais divertida. No Instagram, o principal foco é a partilha de conteúdos ligados ao corpo e ao lifestyle. Para demográficas mais sensíveis e impressionáveis como os adolescentes, é natural que esta constante comparação gere inseguranças.
O que tem sido feito para melhorar?
Mosseri já reagiu à reportagem do The Wall Street Journal. Na sua página do Twitter, afirmou que “a reportagem do WSJ sobre a pesquisa que estamos a fazer para entender as experiências dos jovens no Instagram mostra os nossos dados de uma forma negativa, mas traz à discussão assuntos importantes. Apoiamos este trabalho e acreditamos que mais empresas deviam fazer o mesmo”. O Instagram também lançou um comunicado oficial, em que afirma levar a sério os dados recolhidos nos seus estudos internos e estar a tomar medidas para tornar a aplicação mais segura para os utilizadores.
Uma dessas estratégias para reduzir os efeitos negativos na saúde mental dos utilizadores foi a remoção o número de likes das publicações. Com esta alteração, intitulada “Project Daisy” os utilizadores poderiam optar por visualizar apenas o número de likes das suas próprias publicações, mas não o dos outros utilizadores. Esta ferramenta atenuaria um pouco do fator de comparação social, eliminando um elemento quantificável com que os utilizadores pudessem “medir” o seu valor. A alteração foi colocada em prática no ano passado, mas não se registaram grandes alterações no bem-estar dos utilizadores.
Atualmente, o Instagram está a tentar implementar outras mudanças, como uma ferramenta que “direcionaria” os utilizadores para conteúdo mais positivo. Está também proposta uma outra, que pergunta aos utilizadores se gostariam de fazer um intervalo na aplicação. No entanto, Mosseri defende não haver uma ‘solução mágica’ para o problema.
A ponta do iceberg
A frase é dos senadores norte-americanos Richard Blumenthal e Marsha Blackburn. No passado, os dois já tinham criticado o Facebook por não revelar os estudos internos sobre o bem-estar dos seus utilizadores. Numa declaração conjunta em reação à reportagem, anunciaram que estão em contacto com um whistleblower dentro do Facebook e que utilizarão “todos os recursos disponíveis para investigar o que o Facebook sabia e quando o soube – incluindo procurar mais documentação e testemunhos pessoais”.