Durante 20 anos, Lucy Dawson teve uma vida normal: estudava criminologia na Universidade de Leicester, Inglaterra, tinha o seu grupo de amigos e era ambiciosa. Até que, no verão de 2016, teve uma dor de cabeça que transformou a sua vida.
Numa entrevista ao The Guardian, a jovem, que agora é modelo, conta que, numa fase inicial, quando a dor de cabeça apareceu, no último ano da universidade, começou por afetar o seu estado emocional, deixando-a deprimida e a chorar por coisas estranhas: “vou chumbar a minha licenciatura, não sei o que fazer para a minha dissertação”, “sou gorda, sou feia, não tenho namorado, ninguém gosta de mim”, eram alguns dos seus pensamentos. A jovem passou a trancar-se no quarto e deixou de comer.
Numa fase seguinte, já no dia 12 de outubro de 2016, Dawson perdeu o controlo, pela primeira vez, na presença da sua melhor amiga, Becs, e, quando foi para o hospital, o episódio foi associado a um ataque de pânico. “[Ela] encontrou-me às seis da manhã a gritar o seu nome várias vezes como um robô (…)”, recordou Dawson, acrescentando que Becs ligou à sua mãe nquele momento, o que fez com que, quando saiu do hospital, tenha ligado aos pais a justificar que apenas estava stressada com a dissertação.
No entanto, o episódio repetiu-se e, na manhã seguinte, a jovem gritou o nome da melhor amiga várias vezes seguidas e, quando Becs chegou ao quarto, Dawson desarrumou-o por completo (tirou tudo dos armários e das prateleiras), e, depois, sentou-se de pernas cruzadas, no meio do chão, balançando-se para trás e para a frente, com os olhos inchados. Nesse momento, os pais da jovem foram imediatamente para Leicester, e quando perceberam, depois de terem perguntado aos seus colegas de casa, que não tinha consumido drogas nem álcool, foram em direção a vários hospitais, na esperança de poder interná-la.
“Foi como no nascimento de Cristo, em que andaram por todas as casas e ninguém os deixou entrar”, adiantou Dawson, descrevendo que foram a três hospitais, em Leicester, e nenhum a aceitou porque era estudante e tinha o código postal errado. Em seguida, dirigiram-se até Lincoln, Inglaterra, e, durante esse percurso, a jovem começou a ter atitudes estranhas que deixaram os pais aterrorizados: “Estava a rir às gargalhadas num minuto, e a chorar no minuto seguinte, (…) não conseguia falar, mas depois cantava palavra por palavra as músicas que passavam na rádio”, contou.
Quando chegaram ao Peter Hodgkinson Centre, em Lincoln, Dawson foi observada e foi diagnosticada com um colapso mental, ficando internada no hospital durante os três meses seguintes sujeita a medicação antipsicótica. Mas o efeito não foi o esperado e, com a jovem a começar a perder a sensibilidade no corpo, no dia 18 de novembro, no seu 21º aniversário, os médicos disseram aos pais que Dawson iria morrer, sem perceberem porquê. “As pessoas não morrem apenas por causa de um colapso mental!”, disse, a rir-se.
Numa última tentativa de provocar alguma reação no cérebro da jovem, os médicos aplicaram-lhe um eletrochoque, que fez com que caísse da cama e se queimasse, com gravidade, num radiador. Mas, como Dawson estava sem sensibilidade e num estado semiconsciente, não sentiu nada e ainda hoje só sabe porque lhe contaram. A verdade é que, embora o episódio tenha deixado os pais da jovem incrédulos e preocupados, Dawson foi a casa dois dias antes do Natal: “Acho que os meus pais acharam que ter-me viva com uma queimadura era melhor do que ter-me morta”, revelou.
Só no final do internamento é que o hospital decidiu verificar se o cérebro da jovem não tinha lesões e, em janeiro de 2017, quando foi vista pela primeira vez por um neurologista, recebeu um diagnóstico de Anti-NMDA encefalite do recetor, que conduz a uma condição neuropsiquiátrica. “Chamam-lhe fogo amigo porque o sistema imunitário identifica os anticorpos e as células saudáveis no cérebro como sendo maus e ataca-os”, explicou Dawson.
Depois do diagnóstico tardio e já sem mexer a perna (suposta consequência da encefalite, segundo o hospital), Dawson contou a sua história à Sociedade de Encefalite, que não associou essa paralisia à encefalite, levando a jovem a procurar respostas. Um dia, numa consulta com outro médico de reabilitação, Dawson percebeu que quando caiu no hospital, em cima do radiador, provocou uma queimadura no nervo ciático, que agora está morto.
Desde aí, e após o neurologista que a tratou no hospital ter admitido o que se passou, a fundação sem fins lucrativos do condado de Lincolnshire, em parceria com o Serviço Nacional de Saúde, tem pedido desculpas a Dawson. “Lamentamos sinceramente qualquer cuidado que tenha ficado abaixo dos nossos padrões esperados e o impacto que isto teve sobre a jovem e a sua família. Temos um robusto processo de investigação interno em curso para aprender lições para o futuro”, explicou a fundação ao The Guardian.
Dois anos depois de ter adoecido, a modelo retomou a universidade para completar a licenciatura, o que foi a “coisa mais difícil” que alguma vez fez: “Estudar com uma nova lesão foi infernal”, contou. Contudo, apesar das imensas dificuldades de memorização e na construção de frases, devido ao facto de não se lembrar de muitas coisas e palavras, Dawson conseguiu terminar a licenciatura e agora serve de exemplo para outras pessoas com deficiências.
A antiga Dawson que, não seguia nenhuma pessoa deficiente e apenas via as Kardsashians, cujos problemas eram só as cirurgias plásticas, contrasta com a nova, que, a partir do momento em que começou a visitar grupos de sobreviventes de encefalite no Facebook, decidiu “aproveitar qualquer oportunidade para falar sobre encefalite e tentar espalhar a palavra”.
Numa tentativa de ajudar a irmã a contar a sua história, Hannah, a irmã da jovem, que se interessava por design gráfico, criou-lhe um blog chamado Lucy in the Sky with Encephalitis, no qual Dawson começou a expressar todas as suas preocupações sobre encefalite e deficiência e, através daí, em 2019, foi contratada pela Zebedee Management – agência para modelos com deficiência. Nos últimos 18 meses, a jovem sido contratada por empresas conhecidas, como a Ann Summers – multinacional britânica especializada em brinquedos sexuais e lingerie. “Isto veio do nada (…), mas assim que comecei a fazê-lo, percebi que mais ninguém estava a fazer isto [e], [f]elizmente, muito mais raparigas fazem isso agora, em todas as condições diferentes”, referiu.
Dawson, agora com 25 anos, teve uma boa recuperação da sua encefalite, e, embora tenha muitos dias em que está exausta e com “brain fog”, e de ter sido “obrigada” a deixar o seu sonho de ser polícia, hoje é uma ativista da encefalite e da deficiência, uma modelo de lingerie de sucesso e um exemplo para outras pessoas com deficiência. De acordo com Dawson, receber mensagens de pessoas a dizer “meu Deus, tu deste-me confiança para usar isto” ou “sinto-me muito melhor representada”, fá-la sentir que tudo pelo que passou valeu a pena.