Cai sempre bem lembrar o episódio bíblico de David e Golias, quando queremos contar uma história que gira em torno de um negócio de pequenas dimensões que é procurado por um gigante para uma parceria. Mais ainda, quando todos os “ses” e vírgulas foram postos pela marca que, à partida, pareceria mais frágil nesta equação.
Por trás desta aparente fragilidade está Adriana Mano, a mulher que há quatro anos criou a Zouri, a pensar num mundo melhor e em limpar as praias nacionais, utilizando os resíduos plásticos encontrados para as solas dos seus sapatos. E hoje continua a não abdicar das suas convicções primordiais, nem mesmo quando um grupo de calçado internacional, que produz 350 mil pares em Portugal, lhe bate à porta. Já houve outras ocasiões em que recusou parcerias por causa da ausência de consciência ambiental da outra parte.
Quando a O’Neill lhe mandou o primeiro e-mail, em março de 2020, Adriana achou que deveria tratar-se de algum esquema russo para a enganar – o remetente assinava Dimitri. Só quando concretizou o contacto numa reunião de Zoom é que se apercebeu que, de facto, tinha sido aquele gigante internacional a procurá-la.
Em maio do ano passado, em plena pandemia, dois vendedores europeus da marca americana aterraram no norte de Portugal para propor então uma parceria à Zouri, conhecida por vender sapatos ecológicos. “Avisei logo que tinha premissas muito fortes ligadas à sustentabilidade e que não abriria mão delas e que a parceria só poderia avançar se estivessem alinhados quanto a isso”, lembra Adriana, agora que a coleção O’Neill Blue Zouri está prestes a ir para as lojas, em 10 mercados europeus.
Em primeiro lugar, exigiu que a sua marca aparecesse sempre em pé de igualdade com a O’Neill, em todos os materiais que promovessem os sapatos criados em conjunto. Depois, que eles fossem fabricados em Portugal ou muito perto. Do lado de lá, apesar de a produção daquela marca ser toda feita no Vietname e na China, cederam. Por último, todos os materiais tinham de ser aprovados por Adriana, para garantir a sustentabilidade dos modelos criados mano-a-mano. “Não respeitamos apenas os oceanos, mas também os seres humanos e os seus direitos. E é assim que chegamos ao valor real dos produtos”, esclarece a CEO da Zouri.
O contrato assinado é válido por dois anos (quatro estações) e estipula que a O’Neill é a responsável pela produção e distribuição, enquanto que a Zouri se encarrega do impacto e seleção de matérias primas. Ou seja, a apanha e recolha de plástico dos oceanos continua a estar a cargo da marca portuguesa, sempre em sintonia com os municípios, escolas, voluntários e ONGs. No entanto, eles assumiram também o compromisso de serem apanhadas 50 toneladas destes resíduos nos próximos dois anos.
A sola destes O’Neiil Blue em nada se assemelha à das Zouri, que têm uma cor acinzentada a que se acrescenta as cores dos plásticos recolhidos e depois prensados e um desenho de ondas. Nestes novos modelos, a parte de baixo dos ténis é azul esverdeado, lembrando a cor do mar e perdeu esse ondulado, imagem de marca da Zouri. “Não tem nada a ver com os nossos modelos. Mas talvez possamos chegar a um público mais jovem e desportista”, remata Adriana.