“Olho para a antiga casa da minha mãe no Street View do Google Maps, a casa onde cresci. Diz ‘Imagem tirada em maio de 2009’. Há uma luz acesa no seu quarto. Ainda é a casa dela, ela ainda está viva (…).”
“O seu carrinho cor-de-rosa ainda estará na garagem (…) quando o meu táxi chegar ela estará parada naquela porta, a sorrir e a acenar, mais pequena do que da última vez que a vi. Vamos jogar Scrabble (…) não terá havido nenhuma pandemia (…).”
“Faço um screen print da casa, com a luz acesa, porque não vai durar para sempre, e um dia a carrinha do Google descerá aquela rua e substituirá a casa dela pela de outra pessoa e, embora possa haver uma luz acesa na janela, não será ela.”
Minutos depois de Sherri Turner escrever esta sequência de tweets, eram milhares os coraçõezinhos e os retweets. E, agora que já passaram uns dias, continuam a aparecer comentários e imagens recheados de histórias verdadeiras, contadas por pessoas verdadeiras, sobre outras pessoas, na sua maioria familiares, que já só existem no Street View do Google Maps.
Radicada no Reino Unido, a escritora e fotógrafa americana Sherri Turner quis ver como estava a casa que pertencera à sua mãe, morta há quase quatro anos, quando descobriu que a última imagem disponível no Google Maps era de 2009, recordou ao site Recode. A luz acesa no quarto indicava que a mãe estaria em casa no momento em que passou a carrinha do Google.
A sua comoção foi grande, como já se percebeu, assim como o receio de um dia deixar de poder ver o quarto da mãe iluminado. Pelos comentários ao seu tweet ficou, entretanto, a saber que o Street View mantém todas as imagens – basta clicar no pequeno ícon/relógio no canto superior esquerdo, mesmo ao lado das palavras “street view” para vê-las todas, cronologicamente. “Portanto, se a carrinha voltar, a imagem não será perdida, afinal”, congratulou-se.
Não é a primeira vez que este tipo de imagens se tornam virais. Desde 2007 que o Google Maps oferece o Street View, que reúne imagens de câmaras panorâmicas para recriar digitalmente espaços físicos reais. Começou nos Estados Unidos e, entretanto, foi sendo implementado no resto do mundo. Há quem tenha o passatempo de ali procurar pessoas, objetos ou momentos estranhos.
Este tipo de partilhas virais com imagens de familiares desaparecidos já acontecem pelo menos desde 2013. Mas, agora, por causa da pandemia, têm sido ainda maiores as pesquisas, a curiosidade e a comoção.
Nem uma hora depois do primeiro tweet de Sherri Turner, o anónimo que gere a conta de “confissões” @fesshole contava que vai ao Google Maps ver imagens tiradas quando o pai ainda era vivo, para poder andar um pouco por um mundo com ele. Entre uma e outra conta, repetem-se os comentários emocionados por causa da ilusão de viver no passado.
Kat confessa que costuma ir ao Google Maps para ver a casa dos seus pais em Herefordshire. “Gosto de imaginar que eles estão prestes a abrir a porta da frente para me receber em casa. Pai morreu em 2007 e mãe 2012.”
Neil Henderson, jornalista da BBC, escreve ter “obviamente” centenas de fotos do seu pai, “mas o street view do Google é bastante comovente, como se ele ainda estivesse por aí”.
Um outro utilizador engole em seco quando vê camisas do seu pai no estendal do street view de 2011 da sua antiga casa. “Ele morreu em 2019. Isso é lindo e de partir o coração ao mesmo tempo”, admite.
Helen Fauset, psicóloga, fala mesmo num “encontro” há cerca de um mês, no street view. “É maravilhoso”, conta. “O meu filho diz que ele está em ‘A Dimensão do Avô’.”
As partilhas, entretanto, também já envolvem animais de estimação. Os donos de um cão, desaparecido há uns meses, foram surpreendidos com o desenho oferecido por um utilizador do Twitter. E foi a choradeira lá em casa, claro.