Na Alemanha, a condenação de um médico, Detlef Merchel, por dar aos seus pacientes informações sobre a interrupção voluntária da gravidez (IVG) voltou a pôr na ordem do dia a lei que regula o aborto. Esta não é a primeira vez que um profissional de saúde é punido por fazê-lo, o que tem levado médicos, associações e partidos a protestarem estas condenações.
O ginecologista foi acusado de violar o Artigo 219a do Código Penal da Alemanha, que proíbe a publicitação do aborto, depois de ter colocado informações no seu site profissional sobre que tipo de IVG realizava. Agora, terá de pagar uma multa de 3 mil euros, tendo ainda sido obrigado a retirar do site as informações relativas ao procedimento médico.
“O réu fornece informações no site, entre outras coisas, sobre a possibilidade de reembolso pelas operadoras de saúde e como funciona a interrupção voluntária da gravidez. Na nossa opinião, ele não tem permissão para o fazer”, disse o promotor de justiça de Münster, cidade onde se deu o julgamento, à rede televisiva RTL WEST.
O aborto é regulado pela Código Penal da Alemanha e pode ser realizado até às 12 semanas de gestação ou depois deste tempo, nos casos em que se verifique um risco para a saúde física ou psicológica da grávida. Apesar de serem permitidos, as mulheres que procurem realizar abortos de forma voluntária são obrigadas a fazer sessões de aconselhamento psicológico e têm de esperar um período de três dias depois das sessões para que possam realizar a intervenção.
Até 2019, os médicos estavam proibidos de referir que faziam o procedimento. Com a alteração do Artigo 219a, os profissionais de saúde começaram a poder fazê-lo, sendo permitido apenas informar que o realizam, sem mais detalhes, por ser considerado “publicidade”. “Só posso dizer uma frase: Eu faço interrupções voluntárias da gravidez se [o paciente] seguir a lei”, explicou Merchel à CNN.
Protestos contra as condenações
A sanção imposta ao médico tem unido profissionais de saúde, organizações como a Aliança para a Autodeterminação Sexual de Münster, as mulheres do distrito de Coesfeld e o partido alemão Verdes. O apoio foi visível quando, no mês passado, quase 70 pessoas se juntaram em protesto à entrado do tribunal onde ocorreu o julgamento, com o objetivo de reivindicar a abolição do Artigo 219a.
A organização Center for Reproductive Rights também demonstrou a sua preocupação com o artigo, referindo, na voz da diretora regional da Europa, que considera “altamente problemático e extremamente prejudicial”. Em entrevista à CNN, Leah Hoctor explicou que a lei não só era única entre as democracias ocidentais, como ia mesmo contra as linhas orientadoras da Organização Mundial de Saúde (OMS) e os padrões dos direitos humanos internacionais.
“A ideia de que um país europeu realmente criminaliza o fornecimento de informações medicamente precisas sobre o aborto, mas não regula e reprime com eficácia as informações incorretas e enganosas, é simplesmente absurda”, disse Hoctor ao canal televisivo.
Apesar de este caso ter voltado a pôr o assunto na ordem do dia, não é a primeira vez que um profissional de saúde é penalizado por facultar informações sobre a IVG. Também em 2017, a ginecologista Kristina Hänel foi obrigada a pagar uma multa de 6 mil euros e a retirar o conteúdo do seu site, lutando ainda para que o artigo seja suspendo.
“Os médicos tiveram de remover a informação, o que quer dizer que agora são maioritariamente os sites antiaborto que podem ser encontrados na internet”, diz Hänel, à CNN. “Quero ter a possibilidade de informar as minhas doentes sobre os diferentes métodos, as suas vantagens e desvantagens, possíveis complicações e riscos, como a OMS recomenda. Não acho que a lei seja compatível com a nossa constituição”, acrescenta, ainda.
A discussão tem também despertado a atenção dos ativistas antiaborto, que se opõem a qualquer alteração à lei. Alexandra Linder, presidente da Federal Right to Life Association, disse à CNN que a organização não considera que haja uma lacuna de informação no país no que diz respeito ao tema. Para a ativista, as informações são fornecidas pelo estado, através do aconselhamento obrigatório que tem de ser dado antes de se realizar a IVG.