A descoberta de ruínas romanas nos antigos terrenos da Feira Popular de Lisboa, em Entrecampos, foi anunciada há pouco mais de um mês, mas só agora surgem as primeiras imagens. Um vídeo amador mostra pela primeira vez os vestígios encontrados, de diferentes cronologias, que podem ir desde os primórdios da Humanidade até ao século XIX, passando pelo tempo do Império Romano.
Ainda antes do último Natal, José Capristano começou a aperceber-se de que as obras no local, adquirido pela Fidelidade à Câmara Municipal de Lisboa, em 2018, por 238,5 milhões de euros, estavam a destapar construções antigas. No dia 28 de abril, decidiu documentar em vídeo aquilo que já não tinha dúvidas tratar-se de uma escavação arqueológica. Na visita semanal a casa dos pais, com a vista privilegiada de um oitavo andar para toda a zona envolvente, o consultor imobiliário filmou os vestígios já destapados, quer do lado da Avenida das Forças Armadas quer do lado oposto, na direção do Campo Pequeno, descobertos mais recentemente. As fotografias que captara no dia 1 de fevereiro (ver galeria em baixo) permitem perceber, na comparação com as imagens do recente vídeo, a evolução dos trabalhos ao longo destes meses.
No início de abril, a Fidelidade adiantava à agência Lusa que tinha em curso “uma escavação arqueológica alargada”, em coordenação com a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), tendo como propósito caracterizar e registar “todas as realidades arqueológicas existentes”. Já era possível observar à superfície “um conjunto de estruturas em positivo, edificadas em alvenaria de pedra e argamassa de cal de cronologias moderna e contemporânea” e, num plano inferior, outras construções do mesmo tipo, todas situadas nos séculos XVII, XVIII e XIX. “Sob estas realidades e já muito afetadas por estas ocupações mais recentes, podem observar-se alguns pisos e restos de muros resumidos às suas fundações de cronologia romana”, acrescentava então a Fidelidade.
Agora, em esclarecimentos à VISÃO, a seguradora adianta que “a grande maioria das estruturas visíveis correspondem a quintas rurais”, como é o caso de poços e tanques “relacionados com a prática agrícola”. No lado sul do terreno, foram já identificados “os alicerces do antigo Mercado de Gado de Lisboa, demolido nas primeiras décadas do Século XX”. Em relação aos vestígios romanos, a Fidelidade indica que “ocupam apenas uma zona restrita da área de intervenção e encontram-se muito destruídos, fruto da reutilização da pedra e do espaço para as construções de época moderna e contemporânea.”
As escavações iniciaram-se no final de 2019 e, segundo a DGPC, evidenciam vestígios de tempos ainda mais antigos, da viragem do quarto para o terceiro milénio a.C., e eventualmente, até, do paleolítico, os primórdios da Humanidade. Sobre a era romana, a entidade responsável pela gestão do património cultural disse à Lusa que “não se confirmou, até ao presente, a existência de uma necrópole”, como se suspeitava, mas está já documentada a presença de uma área de caráter habitacional dessa época.
Para os terrenos da antiga Feira Popular está prevista a construção de 279 habitações de venda livre e escritórios, além da nova sede da Fidelidade, mas as obras só poderão avançar após receberem luz verde da autarquia. Antes, vai ser necessário identificar a verdadeira dimensão e relevância do património arqueológico ali existente.