B.1.617. É esta a denominação da variante que poderá estar por detrás do aumento do número de casos de Covid-19 na Índia. Foi identificada pela primeira vez no final do ano passado, no estado ocidental de Maharashtra, mas os cientistas ainda não têm a certeza se será ela a principal responsável pelo caos que se vive nos hospitais deste país asiático.
A B.1.617 exibe 13 mutações que resultam em alterações nos aminoácidos que compõem a proteína da espícula (aquela que o vírus utiliza para infetar as células humanas), mas duas delas exigem especial atenção: a E484Q e a L425R, daí a variante ser apelidada de “dupla mutante”. É a primeira vez que estas duas mutações surgem no mesmo genoma, dando origem a uma nova linhagem do vírus.
Será pouco provável que esta nova variante seja completamente resistente às vacinas, já que elas produzem um amplo espetro de anticorpos
A E484Q é semelhante à E484K, encontrada na linhagem inicialmente identificada no Reino Unido (B.1.1.7) e também naquela que começou por ser descrita na África do Sul (B.1.351) – e que é parcialmente resistente às vacinas. Por isso, existe a possibilidade de esta mutação ajudar o vírus a escapar a alguns anticorpos e a disseminar-se mais facilmente.
A mutação L452R já tinha sido descoberta em duas variantes que parecem estar espalhar-se mais eficazmente na região da Califórnia (a B.1.427 e a B.1.429). E poderá aumentar a capacidade de a proteína da espícula se ligar aos recetores ACE2, que funcionam como uma espécie de porta de entrada do SARS-CoV-2 nas células, tornando o vírus mais contagioso.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a B.1.617 não está classificada como “variante de preocupação”. Contudo, o seu estatuto poderá ser alterado se se confirmar que é mais contagiosa do que outras em circulação, que provoca doença mais grave ou que consegue escapar à imunidade conquistada por quem já esteve infetado ou foi imunizado. Por enquanto, não existe evidência de que tenha uma maior capacidade de provocar doença.
Não obstante, será pouco provável que esta nova variante seja completamente resistente às vacinas, já que elas produzem um amplo espetro de anticorpos.
Desesperados por oxigénio
Atualmente, 60% dos casos na região indiana de Maharashtra, à qual pertence Mumbai, são da variante B.1.617, o que aumenta as suspeitas sobre a sua responsabilidade no aumento exponencial do número de infeções no país.
No entanto, como a maior parte das amostras enviadas pela Índia para o GISAID – a base de dados que regista os genomas do vírus da gripe e do SARS-CoV-2 – são dos estados de Maharashtra e de Bengala Ocidental, não é possível ter um retrato completo de todo o país.
Em algumas regiões da Índia, as infeções com origem nesta variante começarem a decrescer, o que pode ser sinónimo de existirem fatores de risco que tornam algumas pessoas mais vulneráveis à B.1.617
Além da nova variante, também a realização de um importante festival Hindu, o Khumba Mela, ou os comícios eleitorais que decorrem ao longo deste mês podem ter contribuído para mais uma vaga da doença.
Este estado de alerta levou o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, a cancelar uma viagem a Portugal, no âmbito da cimeira EU-Índia, prevista para o início de maio.
Além da escassez de camas nos hospitais, também o oxigénio está a faltar. Na quarta-feira, 22 pessoas morreram devido a uma interrupção no fornecimento que oxigénio no hospital Zakir Hussain, na cidade de Nashik. E o próprio vice-presidente de Nova Deli, Manish Sisodia, confirmou que vários hospitais ficaram sem oxigénio nesta quinta-feira. A capital vai manter-se em confinamento durante esta semana.
Nas últimas 24 horas, a Índia bateu o recorde mundial de infeções diárias. Registou mais de 314 mil casos de Covid-19 e cerca de 2 100 mortos vítimas da doença. Ao todo, o país soma mais de 16 milhões de infetados e de 184 mil óbitos.
A B.1.617 já atingiu 21 países e, no Reino Unido, a sua prevalência aumentou de 0,2% para 1% em duas semanas, cifrando-se em cerca de uma centena de casos. Em Portugal, ainda não foi detetado qualquer caso associado a esta variante.
Mas também há boas notícias. Em algumas regiões da Índia, as infeções com origem nesta variante já começaram a diminuir, algo que não se verificou com as mutações originárias da África do Sul, do Brasil ou do Reino Unido. Este decréscimo pode ser sinónimo de existirem fatores de risco que tornam algumas pessoas mais vulneráveis à B.1.617, o que facilitará o seu controlo. Falta descobrir quem será mais suscetível a estas mutações.
Com uma população de mais de 1,3 mil milhões de pessoas, a Índia administrou, até agora, 130 milhões de doses de vacinas.