Muito se tem falado esta semana da entrevista que os duques de Sussex, o príncipe Harry e a sua mulher Meghan Markle, deram à apresentadora Oprah Winfrey. O Palácio de Buckingham já emitiu uma declaração oficial afirmando que a família estava “triste” e que as alegações feitas iam ser “tratadas em privado”. Mas será que entendemos tudo o que foi dito na entrevista?
A confusão parte de uma declaração de Meghan: “Existe a família real e depois existem as pessoas que gerem a instituição. São duas coisas separadas. É importante distingui-las porque a Rainha, por exemplo, sempre foi magnifica comigo”. A duquesa refere, também, como foi a instituição que lhe negou ajuda psicológica: “Foi-me dito que não podia [ter ajuda], que não seria bom para a instituição”.
Também o uso da expressão “a firma” cria alguma dúvida a que se refere a duquesa. Destacando-se o momento em que admite não conseguir mais ficar calada: “Não sei como esperam que, depois deste tempo todo, ainda conseguíssemos estar em silêncio depois do papel ativo que a firma tem em perpetuar mentiras sobre nós”.
O que é “a firma” e o que é a “instituição”?
A expressão “a firma” refere-se à própria família real e o termo é habitualmente usado pelos órgãos de comunicação social britânicos. Penny Junor, autora inglesa de várias biografias sobre a monarquia britânica e do livro Firm: The Troubled Life Of The House Of Windsor, escreve que o termo foi usado pela primeira vez por Jorge VI, pai e antecessor da Rainha Isabel II, para descrever os Windsor, a atual família reinante. Generalizou-se com o filme O Discurso do Rei, de 2010, em que o ator Colin Firth, que interpretava Jorge VI, proferia a frase “Não somos uma família, somos uma firma”.
Usada alegadamente de forma irónica pelo príncipe Filipe, marido de Isabel II, este é apontado como tendo popularizado o termo, que faz uma comparação da monarquia a uma empresa por mover muitos milhões e ter uma preocupação constante com a imagem e como é retratada nos meios de comunicação social.
A monarquia funciona, então, como um órgão público ou um departamento governamental, que é, contudo, completamente independente. “A firma” é gerida por uma rígida hierarquia, encabeçada pela monarca, com a seguinte ordem de sucessão: príncipe Carlos, príncipe William e os seus filhos, George, Charlotte e Louis, e, por fim, o príncipe Harry – o qual abdicou dos seus direitos, após ter decido mudar-se para os EUA, com a mulher. Pode ainda fazer-se uma distinção de um círculo privado dentro da “firma”, “a firma dos oito”, como fazem alguns meios de comunicação britânicos, ou seja, o grupo escolhido para representar a família real publicamente. Deste fazem parte a Rainha, o príncipe Eduardo e a mulher Sofia, o príncipe William e Kate Middleton, o príncipe Charles e a mulher Camila e ainda a princesa Ana. É depois que entra toda a parte de uma “firma” propriamente dita, a parte empresarial, e é, então, a “instituição”.
A “instituição” como refere Meghan na entrevista vai, assim, além da própria realeza e incorpora centenas de trabalhadores desde secretários particulares, assessores de comunicação, damas de companhia, empregados domésticos, jardineiros e demais funcionários que gerem o palácio ou que estão envolvidos na gestão da vida da família real. Só no próprio Palácio de Buckingham, a instituição tem cerca de 400 trabalhadores.
Como afirma Penny Junor: “É bastante difícil distinguir entre a família real e a ‘máquina’ [referindo-se à instituição]”. Conta ainda que os próprios membros da família real usam os seus secretários para tarefas tão pessoais como convidar os familiares ou filhos para jantar. “Esta é uma família que não é boa a comunicar com os outros e certamente não são bons a olhar uns pelos outros”, acrescenta. Meghan Markle chegou a abordar toda esta burocracia na entrevista. “Achava genuinamente que isso só acontecia na rua, como parte da fantochada”, contou, referindo-se ao facto de não saber que teria de fazer uma vénia à rainha num encontro à porta fechada.
Como funciona a atribuição de títulos e que segurança confere?
Outra questão abordada na entrevista que veio trazer alguma confusão foi a discussão se Archie, o primogénito dos duques de Sussex, teria ou não o título de príncipe. Na entrevista Meghan refere que, enquanto estava grávida, “não queriam que o bebé fosse príncipe ou princesa, não sabendo ainda o seu sexo, que é determinado de forma diferente pelo protocolo, e assim não recebe nenhuma segurança”. Deu ainda a entender que a não atribuição do título estaria relacionada com a tonalidade de cor com que nasceria o bebé.
Não é, no entanto, assim que funciona o protocolo real. Definido em 1917 de acordo com uma carta publicada por Jorge V, têm direito ao título de príncipe e princesa os filhos e netos do soberano. Neste caso só os filhos e netos da Rainha Isabel II, Carlos, William e Harry, dispõem de tal estatuto. Também George, o filho de William tem esse direito por ser o primogénito do filho primogénito da rainha. Ou seja, por ser o primeiro filho de William que é o primeiro filho de Carlos que irá suceder à Coroa. Os filhos dos duques de Sussex apenas receberão os títulos de príncipe e princesa quando for Carlos o detentor do trono. Contudo, também aos outros filhos de William, Charlotte e Louis, foi concedido o título de princesa e príncipe através de uma “carta patente” da própria rainha. O mesmo não sucedeu com Archie, daí as declarações de Meghan: “Mesmo com essa convenção, enquanto eu estava grávida, houve conversas sobre mudá-la”.
Apesar de referir que não tinha intenções de que o filho fosse príncipe, a duquesa fala da preocupação com a falta de segurança que este terá por falta do título. “Disseram que ele não ia ter segurança, porque não ia ser príncipe. Ele precisa de estar seguro, não estamos a dizer para o tornarem num príncipe, mas se dizem que o título vai afetar essa proteção… nós não criamos este monstro à nossa volta formada por clickbaits e revistas cor de rosa, eles permitiram que isso acontecesse, por isso o nosso filho precisa de estar salvo” explicou na entrevista.
Mas, afinal, quais são a regras para ter segurança? Segundo Robert Finch, advogado da Liga Monarquista do Canadá, em entrevista à BBC, não se sabe ao certo os detalhes da segurança real, paga pelo povo britânico. A falta destes detalhes cria muita especulação. O grau de segurança dependerá da hierarquia e da visibilidade que o membro da família real tenha. “A alguns apenas é dada proteção durante deveres oficiais, e não 24h, outros têm a segurança de viver dentro de áreas protegidas, como o Palácio de Kensington [onde vivem William e Kate]. Muitos suspeitam que existe uma unidade de comandos oficial, que protege os palácios ocupados pela Rainha e os dois herdeiros que lhe seguem. Mas isso nunca é discutido”, acrescenta Robert.
Não há, então, regras públicas sobre quem tem ou não direito a segurança real. Um exemplo disso é avançado pela Vanity Fair, a revista americana, sobre o caso das filhas do príncipe André, a princesa Eugénia e a princesa Beatriz, que receberam alegadamente proteção até 2011, custando ao Estado inglês cerca de 500 mil libras, cerca de 584 mil euros.