“Ainda em agosto estávamos na praia e agora ela está ligada a um ventilador…” O desabafo é de Vera Salvador Marques, 36 anos, irmã mais velha de Constança Braddell, jovem de 24 anos que, até ao final do verão passado, mantinha uma vida mais ou menos normal, apesar da fibrose quística que lhe foi diagnosticada à nascença. Com o avanço inesperado da doença, que a fez perder 13 quilos no espaço de 3 meses e a mantém a respirar com a ajuda de um ventilador, a família de Constança não hesitou em tentar a sorte com um medicamento inovador, lançado em junho passado, que não cura, mas devolve alguma normalidade a estes doentes.
Mas, apesar dos bons efeitos relatados do Kaftrio/Trikafta, o tal fármaco, que a família descreve como “life changing”, porque é “o único que a pode salvar”, e depois de várias diligências para que lhe fosse prescrito, mantém-se um impasse. O grande problema? Uma toma para um ano custa 200 mil euros. Hoje, a jovem Constança resolveu socorrer-se do seu Instagram para fazer um apelo público – e, junto a uma imagem sua hoje e antes de a situação se agravar, começa por confessar: “Não quero morrer”.

Verba por aprovar
Há dois anos, o País viveu outro drama semelhante, depois de os pais da bebé Matilde, então com um ano e meio e diagnosticada com uma outra doença rara – atrofia muscular espinhal – terem conseguido mobilizar as autoridades para lhes financiarem um medicamento igualmente caro e inovador que salvaria a vida da menina. Em causa estava a compra do Zolgensma, uma injeção de dose única que tinha de ser administrada até aos dois anos de idade e que custava 2 milhões de euros. Antes disso, uma onda de solidariedade permitiu-lhes angariar os dois milhões de euros necessários para a sua compra. Mas, e apesar de terem alcançado o objetivo, o Estado acabaria por concordar em comparticipar na totalidade a despesa associada ao fármaco.
Agora, o pedido diz respeito ao Katfrio, um medicamento usado para tratar a fibrose quística, uma doença heriditária que pode afetar gravemente os pulmões e o sistema digestivo (e não só). Pode ser causada por várias mutações no gene de uma proteína, a CFTR (cystic fibrosis transmembrane conductance regulator). Cada pessoa tem duas cópias deste gene, uma herdada de cada progenitor. A doença ocorre apenas quando há uma mutação nessas duas cópias. Explica a Agência Europeia do Medicamento que, dada a raridade da fibrose quística, o Katfrio, usado quando numa mutação específica, a F508del, foi designado “medicamento órfão”. Ou seja, um daqueles casos que os promotores se revelam relutantes em desenvolve-lo sob condições normais de comercialização, já que o pequeno mercado a que se destinam não permite a recuperação do capital investido na investigação e desenvolvimento do produto.
“Sabemos que já foi autorizado a outros doentes, mas não no seu caso, e cada entidade envolvida diz-nos que é outra que pode resolver”, continua a irmã, Vera, especificando que o seu uso terá sido aprovado para dois pacientes de fibrose quística de cada centro distrital do País – mas não inclui o caso de Constança.
“O Hospital diz que a responsabilidade é do Infarmed, este diz que é da Vertex, a empresa que comercializa o produto e, entretanto, a minha irmã está a definhar”, prossegue Vera, enumerando que houve uma “intensa” troca de emails com a autoridade para o medicamento em Portugal (Infarmed), no qual esta remata o assunto garantindo que “já solicitou à empresa que alargue o número de tratamentos a financiar” e que, “não obstante, o pedido deve ser feito ao abrigo da autorização de utilização excecional a ser submetido aos serviços hospitalares.” Do hospital, sustenta Vera, a resposta que receberam, foi que não havia verba para tal.
Há duas semanas, e a ver o estado de saúde da filha mais nova a agravar-se, foi o pai que se pôs a caminho até ao Palácio de Belém para dar em mão uma carta a Marcelo Rebelo de Sousa. “Foi um polícia que recebeu e disse que iria fazer tudo para a entregar. Mas não sabemos mais nada”. No Instagram, onde o seu pedido de ajuda já tem mais de cem mil gostos, Constança faz ainda questão de sublinhar que “pode viver” ou “voltar a viver”, já que “a situação moribunda” na qual se encontra é “tudo menos o que se espera para uma jovem de 24 anos com tantos sonhos adiados.