Muitos pais de jovens em idade escolar ainda se lembram do seu desespero à procura de impressoras e de tinteiros, mal o Governo mandou as crianças para casa, logo a seguir às férias da Páscoa. A telescola, as aulas no Zoom, o trabalho remoto, as reuniões no Teams… e as impressoras voaram das prateleiras das lojas, deixando-as vazias por umas boas semanas. Era o início do “consumo pandémico” em todo o seu esplendor. E os portugueses, outrora reticentes em relação ao comércio online, renderam-se em definitivo às compras à distância.
As dificuldades na entrega dos produtos e as ruturas de stock representam as principais queixas dos consumidores
Às impressoras e aos tinteiros, juntámos os computadores e os monitores. Mas também houve uma corrida aos smartphones e aos videojogos – a tecnologia dominou os gastos dos portugueses online em 2020, e a tendência está para durar. Esta ideia foi predominante nas respostas das várias empresas que consultámos para traçar um panorama das preferências de consumo nacionais. De acordo com o Observatório de Tendências do grupo Ageas Portugal e da consultora Eurogroup, a “homification” (em que a casa se torna o centro da vida das pessoas) é um dos grandes fenómenos sociais que resultam deste ano pandémico e que marcarão o futuro do trabalho.
Segundo o inquérito, feito em setembro a 1 744 portugueses, mais de 62% dos inquiridos admitem que gostariam de trabalhar a partir de casa, num futuro próximo. Mais de metade das pessoas fez mais compras online nos últimos seis meses, com destaque para os jovens dos 18 aos 24 anos (nesta faixa, a percentagem é de 70%). No geral, apenas 16% consideram voltar às lojas físicas como local principal para as suas compras e cerca de 66% pretende continuar a comprar de forma mista.
Da beleza ao café
Além dos produtos tecnológicos, o shopping online Dott destaca a importância que a categoria de supermercado tem tido nos últimos meses, tendo passado da 12ª para a 3ª posição de artigos mais vendidos do site. O leite, a cerveja, o chocolate e os produtos de saúde e beleza têm sido adquiridos em grande escala, quando comparados, pela plataforma, com o período pré-pandemia. E, claro, salienta-se o consumo em massa de máscaras e de álcool-gel.
As lojas consultadas destacam ainda os produtos de lazer e de ocupação infantil, como livros, jogos e brinquedos, que, durante os últimos meses, têm sido amplamente comprados. A Fnac e a Worten evidenciam as áreas de gaming e de smartphones.
Os pequenos eletrodomésticos também foram uma escolha no consumo online, desde gadgets de beleza masculina e feminina a utilitários, como máquinas de café e robôs de cozinha. Não esquecendo que, durante um determinado período do ano, serviços como os cabeleireiros e os cafés estiveram encerrados, registou-se uma subida do número de visitantes das plataformas online durante o confinamento, motivada pelo fecho das lojas físicas. Mais tarde, quando estas voltaram a abrir, muitos dos consumidores ficaram clientes dos sites e continuam ainda agora a consumir ativamente nas plataformas digitais.
A pandemia deu a estas plataformas online a possibilidade de inovar, promover feiras e eventos online, lançar promoções e fazer novas parcerias com produtos pouco habituais nos sites de compras online.
Novos serviços foram postos em prática para se colmatar as dificuldades sentidas pelos clientes por estes não poderem deslocar-se às lojas físicas. Exemplos: serviços de assistência remota, recolha drive-through e encomendas por telefone com entrega rápida, em cerca de duas horas.
Esta fase de consumo foi marcada por uma diferença no tipo de produtos consumidos e também por uma adaptação aos novos requisitos dos consumidores. Em algumas empresas, foi até necessário fazer novas contratações para fazerem face ao nível de encomendas e tráfego nos sites.
Ainda assim, as dificuldades na entrega dos produtos e as ruturas de stock representam as principais queixas dos consumidores durante a Black Friday deste ano, por exemplo, tendo as reclamações duplicado no Portal da Queixa em relação ao ano anterior. O mesmo portal alerta que, entre 1 de janeiro e 30 de novembro de 2020, as reclamações relacionadas com burlas online aumentaram 77% em relação a 2019.
Segundo dados da SIBS Analytics, a Região de Lisboa e Vale do Tejo foi a zona do País onde a retração no consumo mais se acentuou desde o início da pandemia. No mês de novembro, por exemplo, o número de compras em loja ficou 19% abaixo do período homólogo de 2019. No entanto, este recuo é inferior à queda de 39% que esta região teve entre março e abril.
Também no Norte, “as recentes medidas restritivas traduziram-se numa descida de 13% nas compras físicas no último mês face ao período homólogo”. No geral, todas as regiões do País registaram quebras no consumo em loja, com exceção do arquipélago dos Açores (+ 3%).
Digno de destaque na análise da SIBS é o aumento, no último ano, do número de compras online em sites de comerciantes portugueses. Só no mês de novembro, as compras online em comerciantes nacionais cresceram 83% face ao período homólogo do ano passado. “Estes dados refletem o esforço e a transformação digital de muitas empresas nacionais que souberam tirar partido da tecnologia e passar da sua estrutura física para uma presença online, adaptando-se à nova realidade, às novas necessidades e de acordo com as alterações significativas nos hábitos de consumo dos portugueses”, nota o estudo da SIBS.
Além disso, os portugueses mostram que estão a mudar o seu comportamento na hora de pagar as compras – usam cada vez mais o telemóvel no processo, tanto no consumo online como em lojas físicas, sendo o MB WAY o método de pagamento preferencial. Nas lojas físicas, a utilização do MB WAY cresceu mais de 300% em novembro, sendo que nas compras online aumentou, no mesmo mês, 260 por cento.
Internet pandémica
44,5%
A percentagem de portugueses, entre os 16 e os 74 anos, que fez encomendas pela internet nos 12 meses anteriores ao inquérito, segundo o INE
84,5%
A percentagem de agregados familiares com ligação à internet, em Portugal
31,1%
Percentagem de portugueses que exerceu a sua profissão em teletrabalho, durante o confinamento (na área metropolitana de Lisboa a percentagem foi de 43,2%)
39,6%
A maior parte das pessoas que efetuou compras online gastou entre 100 e 500 euros