Todos queremos esquecer 2020, mas daqui a muito, muito tempo, quem sabe se estas peças não serão dos poucos vestígios de um annus horribilis? O pensamento de João Ribeiro e Miguel Durão, ambos da agência criativa Stream and Tough Guy, foi simples; já a operação para o pôr em prática nem por isso. Sem receberem nada e de forma totalmente voluntária começaram a pensar que deveria existir uma catrefada de merchandising de tantas e tantas iniciativas culturais que não se realizaram. Cancelar e adiar são, seguramente, dos verbos mais usados nos últimos nove meses.
Com a ajuda da H2N, produtora e agência de espetáculos, da Nossa, outra agência criativa que ajudou com a criação da plataforma e a cedência de um armazém, e da CorpCom, com a assessoria mediática, a dupla falou com os principais promotores de festivais, a maioria já com material imprenso, mas sem ser em doses massivas. Além da organização de grandes eventos como Rock in Rio, NOS Alive e NOS Primavera Sound, Vodafone Paredes de Coura, SBSR, Meo Sudoeste, entre outros, muitas marcas também se quiseram associar à campanha, como a Worten, Super Bock, Corum Investments, ou o Sesimbra Natura Park (cancelou o arraial de santos populares), e ainda de bandas como Da Weasel (posters autografados), Um Corpo Estranho ou Jel (avental exclusivo da linha Sal Grosso).
Foi preciso recolher mais de três mil artigos, entre t-shirt’s, lenços, cachecóis, casacos, sacos, lembranças, depois catalogar e até higienizar e passar a ferro. A venda da Uncancel Collection faz-se online através do site uncancel2020 até 15 de dezembro, de forma a dar tempo para fechar a operação, apurar o valor e entregar o donativo ainda este ano e ter impacto no Natal das famílias, a quem a União Audiovisual presta apoio há oito meses.
“Ficaria contente se conseguisse doar entre 10 mil e 15 mil euros”, antecipa João Ribeiro. Ao início por terem medo que os artigos esgotassem, criaram uma e-t-shirt (em formato digital e custa €5), cuja aceitação está a superar as expectativas.
Com uma queda de atividade superior aos 80% e com taxas de desemprego acima dos 60%, segundo a Associação Portuguesa de Serviços Técnicos para Eventos, o lento regresso dos espetáculos às salas e ao ar livre ainda não foi suficiente para que todos os trabalhadores do setor cultural retomem as suas receitas ao fim do mês.
A União Audiovisual é uma ideia original de Hugo Carriço, técnico audiovisual, a quem se juntou, entre outros profissionais, Inês Sales, produtora de televisão. “Tivemos consciência das problemáticas do meio artístico e da extensão da pandemia. O meio audiovisual é sobretudo de freelancers, sem trabalho não há mesmo dinheiro”, explica Inês. A 11 de abril, abriram a página no Facebook que conta agora com 9 700 membros. Começaram por receber donativos em dinheiro, mas perceberam que o ideal era recolher bens alimentares e de primeira necessidade.
Através das redes sociais, todas as semanas divulgam os locais onde estão a receber os produtos no Porto e Gaia, Coimbra, Oeste, Lisboa, Margem Sul, Alentejo, Algarve e Açores. Mais tarde, as entregas são feitas de modo discreto e o mais anónimo possível. A única condição é serem técnicos ou artistas: há famílias de circo, DJ, assistentes de iluminação, de áudio e de imagem, produtores, encenadores, atores, artistas, compositores… Só em Lisboa têm 20 voluntários por semana para preparar os cerca de 40 cabazes que alimentam à volta de 160 pessoas. No País, serão mais de 100 a 120 cabazes todas as semanas. A União Audiovisual vai manter a sua rede até, pelo menos, à próxima primavera. Inês Sales sabe que, “quando começar a chover e acabarem os poucos espetáculos de rua, estas pessoas não ganham nada.”