A rápida progressão da pandemia tem levado cada vez mais doentes a serem internados em Cuidados Intensivos, de norte a sul do País. No últimos seis dias, foram 49 os doentes que deram entrada nestas unidades. Os hospitais têm-se visto obrigados a reforçar a resposta e a alargar, progressivamente, os planos de contingência, a fim de não esgotar o número de camas disponível, por vezes sacrificando a produtividade de outras unidades.
Ontem, quinta-feira, estavam internadas em enfermarias 3 017 pessoas. Os cuidados intensivos voltaram a bater recordes com 458 doentes hospitalizados com Covid-19, mais 26 do que no dia anterior.
Mas até quando aguentarão os Cuidados Intensivos? Administradores, diretores e intensivistas dos principais hospitais nacionais no combate à Covid-19 responderam à pergunta da VISÃO.
Luís Pinheiro, Diretor Clínico do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN)
Na UCI temos, neste momento, 25 camas abertas para doentes Covid, 95% das quais ocupadas, mas vamos abrir mais três, até ao final desta semana, e oito durante a próxima, às quais poderão ainda ser acrescentadas mais 10.
Nesta época que atravessamos, o parque de camas e a capacidade de resposta para o doente Covid tem de surgir em paralelo com a necessidade de internamento do doente crítico não Covid. Nesse sentido, além de as camas que serão abertas até à próxima semana não retirarem lotação ao doente não Covid, o conjunto de resposta de Cuidados Intensivos do hospital aproximar-se-á de um total de 80 camas, umas mais especializadas, outras mais genéricas e polivalentes.
Ainda não tivemos necessidade de transferir doentes para outros hospitais, mas, caso fosse necessário, claro que o faríamos. No entanto, neste aspeto, somos um hospital chamado de fim de linha, de referência de ECMO (Oxigenação por Membrana Extracorporal). Nesse sentido, seremos mais recetores do que o inverso, o que acaba por aumentar a nossa preocupação, pois queremos planear o crescimento e dotação do hospital a pensar também naquilo que é uma resposta que extravasa a responsabilidade institucional estrita e aproxima da responsabilidade regional ou mesmo nacional.
Por agora, suspendemos apenas intervenções ou atos clínicos que não são urgentes, prioritários nem da área oncológica, mas que requerem internamento. Clinicamente não é plausível suspender mais. Toda a outra atividade do hospital, nomeadamente a que não requer internamento, seja atividade cirúrgica de ambulatório, consultas ou hospital de dia com abordagem diagnóstica e terapêutica que não tenha impacto no internamento, mantém-se exatamente como antes, de uma forma muito diferente do que aconteceu na primeira fase, pois agora temos mesmo de garantir a capacidade de internar e cuidar, não só os doentes Covid, como todos os doentes não Covid que requeiram cuidados imediatos.
Paulo Martins, diretor do Serviço de Medicina Intensiva do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
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Neste momento, temos 19 camas ocupadas com doentes Covid em estado mais crítico, de nível três, para um universo de 27 camas disponíveis. Existe assim uma margem de oito vagas, mas não sei dizer quando é que serão preenchidas, tudo dependerá das solicitações que, desde 2 de novembro, passaram a ser nacionais. A velocidade a que estamos a internar é elevada, já temos mais três doentes referenciados que, muito provavelmente, serão internados ainda hoje.
Caso isso aconteça, ficaremos apenas com cinco camas disponíveis para doentes de nível três e teremos de preparar a passagem à próxima fase do plano de contingência, a qual prevê a abertura de 15 camas e o encerramento de uma das unidades que temos, com oito camas, para doentes não Covid, devido ao número insuficiente de intensivistas.
Mais do que espaço físico, o grande problema, neste momento, é a falta de médicos e enfermeiros com diferenciação para trabalhar em Medicina Intensiva. As 27 camas estão divididas em duas áreas, uma dela com 17 camas e apenas um intensivista responsável, ajudado por médicos de outras especialidades. Não é o ideal, é o possível dadas as circunstâncias. Este problema não é de hoje, mas, infelizmente, só agora é que se estão a fazer as coisas, a correr e mal, porque os concursos não andam e, se eu quiser contratar um intensivista ele não existe, estão todos colocados nos hospitais. Esse é o nosso principal drama neste momento.
Além disso, a ocupação desta terceira fase já implicou, desde sexta feira, o encerramento da unidade cirúrgica de ambulatório, portanto, tudo o que eram cirurgias não urgentes. Em média deixaram de ser operados 50 doentes por dia.
Pedro Silveira, intensivista no Hospital de Braga
Neste momento, das 32 camas disponíveis para doentes Covid, 27 estão ocupadas. Na primeira fase da pandemia, conseguimos dar resposta, trabalhando com unidades de doentes nível dois e três com capacidade para, respetivamente, 14 e 18 camas, mas, por rácios de enfermagem, apenas 12 e 15 abertas.
À medida que a segunda fase foi avançando, tivemos de mudar as agulhas e usar todas estas 32 camas para doentes Covid. Caso seja necessário, numa próxima fase, o Hospital está preparado para aumentar o plano de contingência e ir crescendo os Cuidados Intensivos para outras unidades, nomeadamente a Coronária e os Neurocríticos. Se o ritmo de crescimento continuar a ser o que temos assistido, creio que isso poderá acontecer já no inicio da próxima semana.
Na Coronária temos já seis camas, cinco ocupadas com doentes não Covid, e possibilidade de abrir mais oito, enquanto que, nos Neurocríticos poderemos abrir, a qualquer momento, mais 12 camas para doentes Covid ou não Covid, dependendo das necessidades.
Ainda temos uma boa margem para crescer e ir gerindo as coisas, mas estamos preocupados, não só pelo ritmo acelerado dos internamentos, como pelo facto de irmos utilizar espaço de outros serviços, o que afetará a sua produção.
Nelson Pereira, diretor da Unidade Autónoma de Gestão de Urgência e Medicina Intensiva do Hospital de São João, Porto
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Idealmente, não vamos esgotar. Estamos a fazer um esforço muito grande no sentido de conseguirmos receber todos os doentes críticos que nos chegam, a ideia é que os hospitais sejam capazes de abarcar o incremento que ainda haverá nas próximas semanas.
Neste momento, todos os hospitais receberam indicações para maximizarem os seus planos de resposta e acreditamos – queremos acreditar – que esse esforço conjunto de todos, em rede, vai permitir chegar ao ponto em que a curva começará a diminuir, sem que essa rotura venha a existir. É com esse objetivo comum que estamos a trabalhar e queremos crer que isso vai ser mesmo possível.
Felizmente, até ao momento, não precisámos de recorrer a outros hospitais, fomos mais recetores do que emissores, mas para isso é que serve a rede. Quando algum hospital – e, no futuro, pode ser o nosso – estiver sob maior pressão, os outros devem ser solidários, só assim vamos ser capazes de chegar lá. Se não for com essa solidariedade, e com essa coordenação interinstitucional e, se necessário, inter-regional, obviamente não será possível.
Neste momento, o Hospital de São João tem 49 camas de intensivos abertas para doentes com Covid-19 e mais seis camas preparadas para abrir nos próximos dias. Estaremos disponíveis para continuar a fazer um esforço interno no sentido de conseguirmos dar resposta àqueles que nos procuram. O limite é o da capacidade de resposta dos recursos humanos. Para já, ainda não atingimos esse limite de forma brutal.
Ana Valverde, diretora clínica do Hospital Fernando Fonseca (Amadora-Sintra)
As unidades de cuidados intensivos operam em rede na região de Lisboa e Vale do Tejo pelo que não conseguimos colocar a questão nesses termos. Trabalhamos em equipa, com total empenho para evitar uma situação de rotura, prestando os melhores cuidados possíveis aos doentes com Covid-19.
O Hospital Fernando Fonseca tem em curso a construção de uma nova unidade de cuidados intensivos, trabalhos que decorrem 24 horas por dia, sete dias por semana, e que permitirão, no final do mês de dezembro, um reforço de 15 camas de cuidados intensivos para prestar cuidados de saúde exclusivamente a doentes com Covid-19.
Atualmente, o hospital tem 14 camas de cuidados intensivos dedicadas à Covid-19 e uma ocupação estabilizada nas últimas semanas entre os 80% e os 90%.
Acionámos, há mais de uma semana, o Nível 3 do nosso Plano de Contingência, situação a que já tínhamos recorrido em abril e junho, em períodos de maior pressão da pandemia. Reduzimos um de seis blocos operatórios em funcionamento, mantendo inalterada a capacidade de resposta a doentes oncológicos, cirurgia urgente e prioritária, com reprogramação da cirurgia não urgente, em conformidade com o despacho do Ministério da Saúde do início de novembro.
Estamos, por isso, a fazer tudo o que está ao nosso alcance para travar a pandemia e evitar mais perdas humanas.
Em véspera de mais um confinamento parcial, apelamos a todos os cidadãos para o cumprimento das regras estabelecidas para travar a propagação dos contágios. O apoio da população e o cumprimento dessas medidas é fundamental para os profissionais de saúde e os hospitais continuarem a poder cumprir a sua missão: salvar vidas e prestar os cuidados de saúde adequados a todos os doentes – com ou sem Covid-19.
Nuno Marques, diretor clínico do Hospital Garcia de Orta, Almada
Ao dia de hoje [quinta-feira, 19], o Hospital Garcia de Orta tem um total de 92 utentes com Covid-19 internados, dos quais 78 em enfermaria, 13 em cuidados intensivos e um doente em hospitalização domiciliária.
O hospital está no Nível III do seu Plano de Contingência que previa, inicialmente, um total de 66 camas em enfermaria e 9 de cuidados intensivos. Contudo, temos feito um esforço bastante superior ao que estabelecemos e, neste momento, temos 85 camas de enfermaria para adultos com Covid-19.
Relativamente ao Serviço de Medicina Intensiva, também foi aumentada a sua lotação e, atualmente, possui 22 camas, 8 não-Covid, 8 Covid e 6 quartos individuais de pressão negativa que permitem uma gestão flexível, de acordo com as necessidades. Na próxima semana, iremos aumentar a lotação dos cuidados intensivos Covid-19 em mais 3 a 6 camas.
O Garcia de Orta tem, ainda, funcionado em rede com outros hospitais e, até ao momento, tem sido possível a transferência de doentes em situações de ausência de vagas nos cuidados intensivos.
Até ao final do ano, está prevista a expansão da capacidade de internamento de doentes com patologia Covid-19, em mais de 30 camas, através de uma nova estrutura modular para tratamento de Doenças Infeciosas/Covid-19.
No que respeita a atividade cirúrgica programada, o hospital está a dar prioridade ao atendimento dos casos urgentes, com recurso sistemático à produção adicional, incluindo aos sábados. Ao mesmo tempo, estabeleceram-se protocolos com entidades externas para assegurar a resposta cirúrgica necessária aos utentes não Covid-19, quer por subcontratação da produção cirúrgica com o Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, quer para disponibilização de blocos operatórios a serem utilizados pelos cirurgiões do Garcia de Orta , no Hospital do SAMS e na Clínica São João de Deus.
Ana Castro, presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário do Algarve
A quanto tempo estamos de esgotar a capacidade é difícil de dizer, mas a quantas vagas consigo responder. Neste momento, estamos na fase 3 do plano de contingência dos cuidados intensivos, sendo que as vagas atualmente ocupadas são apenas as da fase 2, mas como estamos a 80% da capacidade, temos de ter sempre a fase seguinte aberta.
Atualmente, ainda mantemos a atividade dita normal. A partir do momento que entremos na fase 3, teremos de parar essa atividade. Isto é muito volátil. Esta semana, quando decidimos abrir a fase 3, tínhamos 11 doentes Covid internados em unidades de cuidados intensivos. Hoje, temos nove. Estamos mais longe de esgotarmos a capacidade do que estávamos há dois dias, mas ainda nunca esgotámos a capacidade da fase 2.
Em Faro, na fase 2, temos 14 camas Covid, oito não-Covid e 10 de unidade intermédia, que podemos alterar a qualquer momento. Em Portimão, temos três para Covid, seis para não-Covid e mais cinco camas polivalentes. Atualmente, temos nove doentes internados em intensivos em Faro e dois em Portimão. Na fase 3, entre as duas unidades, serão 51 camas, mas esta última fase implica parar a atividade normal.