Um por cento da população mundial é responsável por metade das emissões de dióxido de carbono resultantes do transporte aéreo. Esta é a principal conclusão de um estudo intitulado “A escala global, distribuição e crescimento da aviação: Implicações para as alterações climáticas”, publicado na revista científica Global Environmental Change.
A investigação – que recolheu dados de diferentes países para criar um panorama global do setor da aviação – estabelece o contraste entre uma elite que viaja cerca de 56 mil km por ano (o equivalente a três voos anuais de longa duração ou uma viagem curta por mês) e uma maioria que raramente sai do país. Em termos comparativos, o estudo avança que apenas 11 % da população mundial voou em 2018.
De acordo com os cientistas, a maior pegada carbónica do setor está diretamente associada ao consumo desta minoria que viaja com regularidade. As emissões por ela produzidas são comparadas ao consumo de 10 potências mundiais – como é o caso do Reino Unido, Japão, Alemanha e Austrália – e têm impacto na qualidade de vida de todos.
“Se queremos resolver as alterações climáticas, precisamos de redesenhar [a aviação]. Devemos começar pelo topo, onde alguns ‘super-emissores’ contribuem em larga escala para o aquecimento global”, disse Stefan Gössling, responsável pelo estudo, ao The Guardian.
As viagens privadas, em jatos e outros meios de transporte aéreo luxuosos, chegam a produzir até 7500 toneladas de CO2 por ano.
“A camada mais rica da população mundial sempre teve demasiada liberdade para usufruir do planeta de acordo com os seus desejos” , considera Gössling.
Para Dan Rutherford, membro do Conselho Internacional de Transporte Limpo, o estudo revela problemas de equidade.
“Os benefícios do transporte aéreo são mais mal distribuídos do que qualquer outro bem que seja também uma grande fonte de emissões”, disse ele. “Portanto, há um risco claro de que o tratamento especial que as companhias aéreas usufruem proteja os interesses económicos da camada mais rica da população mundial”.
O custo dos danos climáticos causados pelas emissões de dióxido de carbono, proveniente da aviação, rondaram os 100 mil milhões de dólares, em 2019 (o equivalente a 84.3 mil milhões de euros), estimam os investigadores.
Quem deve carregar o “fardo” ambiental do transporte aéreo?
O impacto do setor da aviação na crise climática global aumentava a passos largos, com um índice de crescimento que atingiu os 32% entre os anos de 2013 e 2018, até que, a inesperada pandemia veio pôr um travão à emissão de dióxido de carbono – com uma descida do número de passageiros na ordem dos 50%. No entanto, esta “razia” a que se assistiu da noite para o dia serviu também para alertar as instituições mundiais para os problemas do setor, como a necessidade de procurar soluções mais ecológicas e a desigualdade do acesso ao transporte aéreo.
De acordo com Rutherford, deviam ser os consumidores a pagar estes custos – uma forma direta de impactar a elite que viaja com regularidade. Contudo, para o responsável do estudo, esta solução não surtirá efeito, uma vez que os clientes abastados não serão afetados pelo aumento do preço da tarifa.
“Talvez uma forma mais produtiva seja pedir às companhias aéreas que aumentem a quota da mistura de combustíveis sintéticos [de baixo carbono] todos os anos até 100% até 2050”, acredita Gössling, fazendo referência à necessidade de diminuir o consumo de combustíveis poluentes.
Segundo um representante da Associação Internacional do Transporte Aéreo (IATA), as companhias aéreas já não são um negócio virado exclusivamente para um público-alvo abastado – tendo expandido os seus serviços para pessoas das mais variadas camadas socioeconómicas nas últimas décadas.
“A acusação de elitismo pode ter tido algum fundamento nas décadas de 1950 e 1960. Mas, hoje em dia, as viagens aéreas são uma necessidade para milhões”.
No que remete à situação ambiental, a mesma fonte disse ao The Guardian que: “ [A IATA] continua empenhada nos seus objetivos ecológicos. Este ano – no momento de maior crise experienciado pela indústria – as companhias aéreas concordaram em explorar novos caminhos que lhes permitissem avançar para as emissões líquidas a zero até 2060”.
Um pilar dos planos de intervenção desenhados pela indústria é o Sistema de Compensação e Redução das Emissões de Carbono para a Aviação Internacional (CORSIA), que tem como objetivo estabilizar os níveis de CO2 emitidos pelas companhias aéreas através de medidas de compensação para o setor. No entanto, este plano foi fortemente criticado em junho pelo Conselho Europeu. Os peritos vêm-no como forma de diluir um sistema por si fraco.
“Penso que eles têm um interesse zero nas alterações climáticas”, disse Gössling.