“Salvar mais vidas e mais anos de vida” é o mantra das recomendações emitidas pelo Conselho de Ética e Deontologia da Ordem dos Médicos. O objetivo do documento é guiar os profissionais de saúde, caso tenham de decidir a quem dar prioridade na prestação de cuidados se se confrontarem, por exemplo, com a escassez de camas, de ventiladores ou de recursos humanos para acudir a todos.
Com o número de infetados com o SARS-CoV-2 a aumentar diariamente em Portugal – esta terça-feira, somaram-se mais 3 817 casos confirmados – os serviços de internamento enfrentam uma grande pressão. Atualmente, estão hospitalizados 2 742 doentes em enfermarias e 382 em cuidados intensivos.
A “maior probabilidade de sobrevivência após o tratamento” deve ser determinante no momento da admissão de um doente em cuidados intensivos.
Sublinhamos que, também nesta situação, é o doente com a doença e não a doença no doente que deve presidir às nossas decisões
Conselho Nacional de Ética e Deontologia Médicas da Ordem dos Médicos
“Não se trata de tomar decisões de valor, mas de reservar os recursos que podem tornar-se extremamente escassos para aqueles que têm, antes do mais, maior probabilidade de sobrevivência”, recomenda a Ordem dos Médicos.
“A presença de comorbilidades [várias doenças] e o estado funcional dos múltiplos órgãos devem ser cuidadosamente avaliados, juntamente com a idade”, ou seja, os anos de vida não são um critério isolado. Uma pessoa de 70 anos pode ter uma maior probabilidade de sobrevivência do que uma de 65 com muitas doenças acumuladas.
“Os doentes em que o benefício é mínimo e improvável por doença avançada ou terminal não devem, tal como em situações de não emergência, fazer terapia intensiva”, uma vez que, também nestes casos, a probabilidade de recuperação é muito reduzida.
“Sublinhamos que, também nesta situação, é o doente com a doença e não a doença no doente que deve presidir às nossas decisões”, lê-se no documento, que reforça a importância de cada caso ser analisado de forma personalizada.
A ordem de chegada, por exemplo, não é um critério válido para prestar ou não cuidados a uma pessoa.
A Ordem dos Médicos lembra que deve ser garantida a segurança dos profissionais de saúde, sob pena de estes terem o direito de recusar trabalhar
O parecer também aconselha os médicos tomarem as suas decisões em equipa e a, sempre que houver dúvidas, solicitarem uma segunda opinião. Também é fundamental que os profissionais expliquem as suas opções aos doentes e às suas famílias. É igualmente dada relevância à possibilidade de os doentes terem direito a uma despedida, numa altura em que muitos hospitais proibiriam as visitas, por causa da pandemia.
“No caso de os doentes que morram numa situação de total ausência ou restrição de visitas, deverá ser garantida, sempre que possível, a possibilidade de se despedir, ainda que através do telefone, dos seus familiares”, aconselham.
Também se recomenda que os critérios definidos sejam revistos ao longo do processo e que, no final, todas as decisões seja escrutinadas pelos profissionais no sentido de melhorarem a sua atuação num contexto semelhante.
Estes critérios são válidos para todos os doentes e não apenas para os infetados com o SARS-CoV-2.
A Ordem dos Médicos também lembra que deve ser garantida a segurança dos profissionais de saúde, por exemplo, através da disponibilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), sob pena de estes terem o direito de recusar trabalhar.