José Veiga, Rui Rangel, o ex-presidente da Relação de Lisboa Luís Vaz das Neves, e os desembargadores Rui Gonçalves e Conceição Gonçalves, além do próprio Estado, devem a João Vieira Pinto mais de 832 mil euros (832.702, 22 euros). É pelo menos este o entendimento do ex-jogador do Benfica e do Sporting, que num pedido cível enviado esta quinta-feira, 8 de outubro, para o Supremo Tribunal de Justiça, diz que estas seis pessoas e entidades são responsáveis pelos danos morais e patrimoniais que sofreu desde 2013, quando foi o único condenado pelo Tribunal da Relação de Lisboa por um esquema de fraude fiscal alegadamente montado pelo Sporting Clube de Portugal, alguns dos seus então dirigentes e o então empresário de futebol José Veiga.
Ao que a VISÃO averiguou, no pedido enviado para o Supremo, ao abrigo dos autos do processo conhecido como Operação Lex, o atual diretor da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) exige 582 mil euros por danos patrimoniais e 250 mil euros por danos não patrimonais, acrescidos de juros. O pedido de indemnizações confirma o que a VISÃO já tinha adiantado na edição de 1 de outubro : que João Vieira Pinto ia pedir uma indemnização aos principais envolvidos na Operação Lex e ao Estado, além de se preparar para pedir uma revisão de sentença, sete anos depois de ter sido o único condenado num processo de fraude fiscal que tinha também como arguidos José Veiga, Luís Duque e Rui Meireles – que tinham sido acusados e condenados em 1ª instância, mas foram depois absolvidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, numa decisão que já na altura foi bastante polémica.
Acontece que no decorrer da investigação da Operação Lex, que tem como principal arguido Rui Rangel, foram descobertos indícios de que o acórdão da Relação de Lisboa – que absolveu os empresários, condenando apenas João Vieira Pinto por um elaborado esquema de fraude fiscal – pode não representar apenas uma decisão estranha do ponto de vista jurídico. O Ministério Público concluiu, por exemplo, que José Veiga pagou cerca de 250 mil euros a Rui Rangel (através de alegados testas-de-ferro) para conseguir uma decisão judicial favorável nesse processo, ou seja, ser absolvido. O Ministério Público também concluiu que José Veiga só conseguiu essa decisão favorável porque Luís Vaz das Neves, então presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, distribuiu em mãos esse processo a um terceiro juiz (Rui Gonçalves, que foi coadjuvado pela desembargadora Conceição Gonçalves), violando as regras da distribuição aleatória (através de um programa de computador) naquele tribunal superior, e violando assim o chamado princípio do juiz natural. Outros dois factos reforçaram a suspeita do Ministério Público de que aquela decisão – que condenou João Pinto e absolveu Veiga – foi “comprada” ou, pelo menos, manipulada: horas antes de Vaz das Neves ter distribuído em mãos aquele processo ao juiz Rui Gonçalves, recebeu uma mensagem de Rui Rangel simplesmente com o número daquele processo; e o juiz Rui Gonçalves terá recebido o recurso de José Veiga no seu email três meses antes de aquele dar entrada na Relação de Lisboa e de se saber que iria ser nomeado como relator desse processo.
Por estas razões, Vaz das Neves e Rui Rangel são acusados na Operação Lex de um crime de corrupção passiva para ato ilícito, sendo José Veiga o corruptor ativo. Já o juiz Rui Gonçalves vai continuar a ser investigado noutro processo à parte, já que serão necessárias mais diligências para provar que não diz a verdade. No processo, quando foi ouvido como testemunha, disse que decidiu em consciência, que não leu o email que lhe foi enviado três meses antes, que nunca foi abordado para decidir num determinado sentido nem sequer permitiria esse tipo de abordagens, e que nem sequer se dava bem com Rui Rangel.
No pedido cível agora enviado ao Supremo Tribunal de Justiça, João Vieira Pinto alega que estas provas que constam da Operação Lex são mais do que suficientes para provar que não teve direito a uma sentença imparcial e justa. Diz que todos os visados no seu pedido de indemnização violaram grosseira e conscientemente as regras processuais respeitantes à distribuição de processos, uma salvaguarda essencial do princípio constitucional do juiz natural. E, assim, o privaram de um julgamento do seu recurso, justo, imparcial e realizado de acordo com as regras de um Estado Democrático. Alega ainda que o Estado Português não pode deixar de ser responsabilizado pelos atos dos seus agentes, para mais tratando-se de titulares de um órgão de soberania a quem cabe administrar a justiça e cumprir escrupulosamente a lei. Isto tudo num “caso, se não único, pelo menos ímpar na história da justiça portuguesa democrática, que atenta contra a credibilidade da justiça e que coloca em causa todo o funcionamento da máquina judiciária”.
No seu pedido, o antigo jogador do Benfica e do Sporting recorda como viveu momentos de angústia e raiva por ter acabado como o único condenado por um esquema de fraude fiscal que não foi inventado por si. Diz que embora tenha tido dificuldade em perceber porque é que praticou um crime de “fuga” aos impostos quando acertou com o Sporting que todas as quantias que exigia receber eram “líquidas” (assegurando o Sporting o pagamento desses impostos), até consegue entender que o ter “facilitado a vida” ao clube de Alvalade, ajudando-o a pagar menos impostos, seja merecedor de censura; o que não consegue entender é que aqueles que programaram tudo e o convenceram a agir assim tenham sido absolvidos e apenas ele seja considerado culpado, e que desde então, de há sete anos para cá, a sua vida esteja dependente de um processo.
Isto porque, se na decisão de 1ª instância o ex-jogador foi o arguido que saiu com a pena mais baixa (o colectivo de juízes das Varas Criminais de Lisboa entendeu que o esquema não tinha saído da sua cabeça, e como tal era o menor culpado), na decisão do Tribunal da Relação de Lisboa passou a ser visto como o único culpado: o juiz Rui Gonçalves entendeu que não existe fraude fiscal em co-autoria; João Pinto era o único devedor de impostos e, como tal, teria de ser o único condenado por fraude fiscal.
O Tribunal da Relação de Lisboa condenou-o então, em 2013, ao pagamento não só de 508 mil euros por impostos em falta, como também ao pagamento de 220 mil euros de juros. Apesar de não aceitar esses juros, João Pinto conta que o tribunal se mostrou implacável sobre o pagamento dos mesmos, mesmo quando já era público que o seu caso estava a ser investigado na Operação Lex, tendo ouvido do juiz: “Isto é muito simples, ou paga ou revogo a suspensão da pena!.” Isto é: se não pagasse, iria preso. Algo que o antigo avançado diz não ter conseguido esquecer até hoje: ter ouvido a ameaça de que iria preso por causa de uma decisão judicial que o prejudicou e que alegadamente terá sido comprada por outro arguido (José Veiga).
Agora, João Vieira Pinto está disposto a ir até às últimas consequências para ser ressarcido por aqueles que entende serem os responsáveis por “sete anos de raiva e angústia”. Depois deste pedido, deverá ainda apresentar um recurso de revisão de sentença (para que o seu caso seja analisado por outro juiz). E, se não conseguir que o seu processo seja reanalisado por outros magistrados através de um recurso de revisão, admite ir até ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem reclamar que não teve direito a uma sentença justa, porque, ao contrário do que ditam as regras, não teve direito a um juiz escolhido aleatoriamente.