“Agora vamos a um sítio quente”, avisa Manuel Lage. E não falhou. Lage trava o carro a fundo e atira pela janela: “Vocês os dois, aí parados” Os dois jovens olham para o carro branco, descaracterizado, e ficam na dúvida: devem seguir a ordem ou avançar? O condutor abre a porta do carro e, com voz de comando, insiste: “Não estão a ouvir?! É para encostar já aí!” E só nesse momento os dois jovens reparam no colete fluorescente com a indicação “Polícia Municipal” e recuam dois metros até se imobilizarem junto à parede de um prédio, numa das principais avenidas de Rio de Mouro. Uns 100 metros mais abaixo, uma equipa da PSP já está a identificar outros três jovens do mesmo grupo, apanhados em flagrante a violar as regras em vigor naquela e noutras 18 freguesias da Área Metropolitana de Lisboa. Além de estarem num ajuntamento de cerca de 10 pessoas (a lei só permite cinco), foram apanhados a consumir álcool na rua – as “litrosas” continuam ali, meias consumidas, nos degraus das escadas de acesso a um prédio onde os jovens habitualmente se reúnem, um dos “spots” já identificados como problemáticos. Quando viram aproximar-se a coluna de carros das forças de segurança, já sabiam o que aí vinha. Dispararam numa corrida desenfreada por entre os prédios ali à volta, mas o comandante da Polícia Municipal de Sintra apercebeu-se da fuga daqueles dois jovens e intercetou-os poucas ruas mais à frente.
– “Vocês estavam a beber?”
– …
– “Tavam ou não?!”
– …
– “Não? Olhem que, se estiverem a mentir, é pior para vocês…”
A mais de cinco metros de distância, é impossível não reparar na forma como os dedos de um dos jovens tremem, quando ele se baixa para apertar os atacadores do ténis direito
– “Bom” – conclui Manuel Lage –, “os vossos amigos já nos disseram que foram vocês que compraram as ‘litrosas’…”
– “Não, não! Nós só estávamos a beber! Só estávamos a beber”, defende-se, de imediato, um dos jovens intercetados
O comandante da Polícia Municipal olha para outro elemento da sua equipa e pisca-lhe o olho, sem conseguir disfarçar o sorriso. Acabaram de cair na armadilha. Por estarem a consumir álcool na via pública e, além disso, por estarem reunidos num grupo de mais de cinco pessoas, os dois jovens violaram duplamente a lei aplicada àquelas freguesias da Área Metropolitana de Lisboa onde o Governo decidiu prolongar o estado de exceção, mantendo em vigor a situação de calamidade. Pelas duas infrações, terão de pagar, cada um, 200 euros.
Já nos aconteceu estarmos a proceder às identificações e começarmos a levar com pedras que nos são atiradas das ruas aqui à volta ou com objetos que são atirados das janelas dos prédios
agente da polícia municipal de sintra
A uns 30 metros dali, uma idosa está estendida no chão, inanimada, e os responsáveis de um café ao lado procuram cobri-la com as toalhas de papel que habitualmente seriam usadas para cobrir os tampos da mesa de refeição. A mulher tinha acabado de entrar ali, pediu para usar a casa de banho, disse que estava indisposta, voltou a sair mas não chegou a percorrer cinco metros no exterior. A resposta médica demora a chegar. Aconteceu tudo pouquíssimos minutos antes de operação policial ali chegar. Dezenas de pessoas começam a aglomerar-se no local, a poucos metros da estação de comboios da CP. Manuel Lage está intranquilo, sobe a rua, volta a descê-la até ao local onde a sua equipa preenche os papéis das infrações, avança mais uns metros até à equipa da PSP, que cumpre o mesmo ritual. Depois, dá ordem para que se disperse a pequena multidão que ali se junta a assistir a todo o aparato. “Nunca encaro estas situações de forma pacífica. De um momento para o outro, pode acontecer alguma coisa estranha, pode haver violência”, enquadra o comandante da Polícia Municipal à VISÃO. É uma missão sempre no fio da navalha. A atenção está no máximo durante todo o tempo.
Daquela vez, não aconteceu. O grupo de jovens intercetado pelas polícias decidiu não enfrentar os elementos das forças de segurança e fugiu do local para evitar as consequências – mas nem sempre é assim. “Já nos aconteceu estarmos a proceder às identificações e começarmos a levar com pedras que nos são atiradas das ruas aqui à volta ou com objetos que são atirados das janelas dos prédios”, conta, duas horas antes, na Tapada das Mercês, um dos elementos da força conjunta que realizou a operação. Tinham acabado de partir para o primeiro “spot” do dia. Mal a coluna de oito carros da PSP e da Polícia Municipal de Sintra dobra a esquina, a maior parte dos jovens desaparece e imediato. O baralho de cartas, de um jogo que devia ir a meio, fica espalhado pelo chão. Edson (nome fictício) não correu – os chinelos de borracha que traz calçados, por cima de umas meias de desporto brancas, não ajudavam à fuga.
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Ao todo, não eram sequer 10 os jovens ali reunidos, a meio da tarde desta quinta-feira. Mas, também ali, as regras são apertadas e a tolerância das forças de segurança é nula. A intervenção naquele ponto dura pouco mais de meia hora. Aqui e ali, grupos de três a quatro pessoas assistem ao desenrolar da operação e só uma mulher, nos seus 30 e poucos anos, atira alguns comentários inconsequentes para o ar quando atravessa a rua em frente, em direção à estação de comboios das Mercês, na linha de Sintra. O número de elementos envolvidos na operação – 20 da Polícia Municipal e mais oito da PSP – são a resposta a essa dificuldade já sentida no terreno: mais músculo significa, geralmente, menos vontade de reagir contra as autoridades policiais.
Na Tapada das Mercês, Edson e o amigo vão para casa com uma notificação para pagarem a coima de 100 euros por ajuntamento na via pública. É a consequência mínima de uma tabela de penalizações que pode chegar aos 500 euros para quem violar as regras. Mas a fatura é mais pesada para as empresas. E o dono do Paloco, um café em Rio de Mouro, sabe o que isso significa.
“DESLIGA A TELEVISÃO! DESLIGA ISSO!”
Estamos a caminhar para as primeiras horas da noite de quinta-feira, 9 de julho. A Polícia Municipal de Sintra e a PSP precisaram de pouco mais de meia hora para concluir aquela fase da operação em Rio de Mouro. Saíram da esquadra da PSP no Algueirão-Mem Martins há cerca de três horas e meia e, segundos antes de voltarem aos carros, os responsáveis da missão coordenam-se para definir o destino seguinte da lista de 31 locais que pretendem visitar até ao final do dia. São espaços públicos, nuns casos, como aquele recanto entre prédios de habitação, numa rua da freguesia, e que já foram previamente identificados pelas forças de segurança porque, ali, todos os dias se juntam dezenas de jovens a consumir álcool. São também cafés, bares e restaurantes que já foram notificados anteriormente por não estarem a cumprir as regras impostas pelo Governo neste período de exceção. Noutros casos, os “alvos” são definidos em função das denúncias que diariamente chegam aos responsáveis daquelas forças de segurança e ao gabinete do presidente da Câmara Municipal de Sintra. “São às dezenas, todos os dias”, refere Manuel Lage.
A operação desta quinta-feira – a terceira das últimas semanas – resulta, aliás, de um pedido direto de Basílio Horta. Com o concelho na lista de casos mais preocupantes, no que respeita à propagação do novo coronavírus, o autarca sentou-se com os representantes das diferentes polícias e pediu-lhes que concentrassem todos os esforços no objetivo de baixar os números alarmantes das últimas semanas. “Não tenho dúvidas de que, se não estivéssemos a fazer este tipo de operações, haveria mais ajuntamentos com ainda mais pessoas” nas ruas e nos cafés , entende o comandante da Polícia Municipal de Sintra. E essas pessoas, lembra, “são as mesmas que no dia seguinte estão nos transportes públicos e nas empresas, aumentando o risco de contágio”, acrescenta. “Estou convicto de que estas operações contribuem, e muito, para mitigar o contágio.”
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Já passa das 20h30 quando a coluna de carros entra por uma rua secundária da urbanização de Fitares, na freguesia de Rio de Mouro. O plano de ação não previa uma passagem por ali, mas um dos agentes decidiu seguir o instinto. Na semana passada, também de passagem pelo mesmo local, percebeu que as luzes de um dos cafés da rua estavam acesas já perto da meia-noite e que o dono do café ainda estava em limpezas. “A esta hora? Quando devia estar fechado desde as 20h?”, questionou-se nesse dia o agente da Polícia Municipal. Nesta quinta-feira, FC Porto e SL Benfica entravam em campo naquele que até podia ser um dia decisivo para o campeonato português, e as equipas da PSP e da PM desconfiavam de que vários espaços iam querer arriscar e manter as portas abertas para lá do horário permitido.
À distância, percebe-se que as luzes do Paloco estão acesas. Os agentes saem dos carros. Basta um olhar rápido para o interior para perceber que, ali, o incumprimento vai sair caro. Há garrafas de cerveja nas mãos de vários clientes, cigarros acesos, cascas de amendoins em cima das mesas e uma dezena de pessoas reunidas entre o balcão e alguns lugares da sala. As imagens do ecrã mostram um FC Porto com vantagem de dois golos sobre o Tondela. “Desliga a televisão! Desliga a televisão”, ordena ao marido a responsável do espaço, mal as equipas se apresentam à porta.
– “O senhor sabe que tinha de fechar às 20 horas”, diz um dos agentes ao homem
– “Eu sei, eu sei.. Eu disse à minha mulher: ‘Quero-os todos na rua.’ Estavam a acabar a cerveja ao balcão… Os senhores têm 500% de razão, não estou a pôr em causa nada do que me estão a dizer”
Os responsáveis daquele espaço chegam ao final da noite com uma coima que ultrapassa os cinco mil euros, cálculos dos elementos da Polícia Municipal de Sintra que se demoram na fiscalização aos vários parâmetros de segurança e funcionamento do café. Foi a operação com consequências financeiras mais pesadas das mais de cinco horas de fiscalizações, desde que as duas equipas saíram da esquadra do Algueirão, por volta das 17h, e até que voltam a “casa”, já depois das 22h. Antes, uma última ronda por outra localidade do concelho: Serra das Minas. Na semana passada, numa operação anterior, as equipas detetaram, identificaram e aplicaram coimas a elementos de um grupo com cerca de 30 pessoas que estavam a consumir álcool na via pública. Nesta quinta-feira, fica a sensação de estarmos a atravessar uma cidade fantasma. Não chega à meia dúzia o número de pessoas nas ruas, àquela hora. “É bom sinal”, atira Manuel Lage, ao volante. “Significa que a mensagem está a passar.”
No “debriefing”, antes de darem por concluída a operação, o comandante Manuel Lage, da Polícia Municipal, e a chefe Elizabete Marques, da PSP, ensaiam uma última palavra para os elementos das duas equipas que estiveram no terreno. Há muitos agradecimentos de parte a parte e a promessa de que futuras ações como esta, uma forma de promover o estreitar da relação entre as duas instituições e de motivar os agentes. É Elizabete Marques quem deixa cair o pano. “Até que o primeiro-ministro diga que isto está bem, estaremos por cá.”