“Eu sei, estou quase a acabar e mais uma vez antes do tempo previsto. Foi sempre assim enquanto fui professor.” A revelação surge a poucos minutos do fim dos 30 agendados no espaço de programação #EstudoEmCasa, ao início da tarde segunda-feira, 15, na RTP Memória, depois de outras duas confidências. Primeiro, que lhe custou muito evitar a praia, quando não se podia ir nadar. Segundo, que o filho, a viver no Brasil, o veio visitar e, à despedida, não resistiu a dar-lhe um abraço. “E agora, o que eu mais quero? Que acabe a proibição de abraçar e beijar as pessoas. Sim, também sei, sou muito beijoqueiro.”
Foi uma meia-hora verdadeiramente única para quem, desde meados de março, prossegue o ano letivo como nunca acontecera antes, pela internet e pela televisão. Daí que Marcelo Rebelo de Sousa, esse, mesmo, o Presidente da República, que deu a última aula formal na Faculdade de Direito de Lisboa em setembro de 2018, tenha optado por se estrear neste formato com agradecimentos. Com abraços aos professores, “que tanto trabalharam para por de pé estas aulas”. Aos pais e avós, que também “nunca estudaram tanto com os filhos como neste tempo”. À RTP, Ministério da Educação e Fundação Gulbenkian, “pelo serviço prestado ao país”.
Depois, a primeira lição destes tempos tão diferentes, provocados por uma doença tão contagiosa que se espalhou pelo mundo. “Nada é possível sem saúde”, ao que se seguiu mais um abraço de agradecimento – desta vez ao Serviço Nacional de Saúde. “E a todos os profissionais de saúde que, num momento tão excecional, ficaram longe das suas famílias.”
Luta de todos
2ª Lição. “Se a doença contagia todos, então devem todos fazer por prevenir”, prosseguiu o Professor Marcelo, como foi conhecido de todos os portugueses, desde que ganhou fama na Faculdade de Direito de Lisboa. “Nem sempre aconteceu, e é bom que não aconteça quando chegarem medicamentos e vacinas. Não podemos aceitar que haja cidadãos de primeira e outros de segunda:”
A 3ª lição trouxe a Europa para a conversa. “Ao início, mostrou-se distante, com vários países a julgar que escapavam ao vírus. Até que lá percebeu que tinha de ser uma luta conjunta. Tarde, mas percebeu.”
Ao 4º ensinamento, lembrou que, se o vírus afeta todos com facilidade, nem todos puderam ficar em casa. “Para que uns o pudessem fazer, outros tiveram de continuar a sair. Para tratar dos transportes, dos esgotos, do lixo, da segurança…”.
À 5ª lição, aquilo que todos sabem, mas nem sempre se lembram. “Ataca sobretudo os mais idosos (como eu que já tenho 71 anos) e os mais doentes. E a nossa obrigação é não pensar que somos eternos e manter os cuidados adequados”.
Família é família
Depois dos mais velhos e doentes, os mais pobres. “Porque os mais fracos e carenciados são os que têm menos capacidade de resposta. Os sem-abrigo, os que vivem sem água, luz”. As contas são fáceis de fazer. “Um terço dos portugueses são grupo de risco. Um quinto vive abaixo do limiar da pobreza”.
À sétima lição, foi a vez dos emigrantes. “Somos um país de gente que vive espalhada pelo mundo. Gente que gosta de vir matar saudades nas férias. Mas quando chegou a Páscoa, e uns dias de descanso, tivemos de lhes pedir para não virem ao encontro das famílias. Mais uma vez para não haver risco de aumentar o contágio.” E, sublinhou, “eles perceberam, aceitaram, não colocaram a decisão em causa.”
8ª lição. “Sim, estivemos fechados em casa e houve muitos momentos de cansaço. Mas vejam o bem que isso trouxe. Há muito que cada um não estava com os seus. E família é família.”
Desconfinar, mas com bom-senso
Houve ainda tempo para assinalar o avanço que se deu no estudo pela internet e pela televisão. Mas à 9ª lição, Marcelo fez questão de lembrar que esta vida pelos ecrãs trouxe outra mais-valia. “Passámos a dar valor às pequenas coisas que nos rodeiam. Olhem, eu fiquei a conhecer todos, mas todos os cantos ao Palácio de Belém.” Ensinamento que, considerou, vai ficar para a vida. “É verdade que vai haver mais teletrabalho, mas isto também permitiu dar mais valor às pessoas de quem ficámos mais distantes.”
À 10 e última lição, como lhe chamou, Marcelo aproveitou para falar dessa palavra nova que entrou recentemente nas nossas vidas. “Desconfinar é um novo verbo. Vai ser preciso sair de casa. Mas devemos sempre lembrar-nos de manter o bom-senso.” Tudo para que não aumente o número de contagiados.