Todos os dias, todas as horas, todos os minutos, são de luto, de dor e de revolta para Ilda Costa, 68 anos. Mas hoje, 13 de maio, separada do Santuário de Fátima por uma grade e sob o olhar atento de uma mão cheia de elementos da GNR, a revolta é ainda maior. A filha, Jéssica, morreu há dez anos, atropelada. E Ilda só voltou a levantar-se da cama, a caminhar e a cuidar do jardim “graças à ajuda de Nossa Senhora”.
Este ano, impedida de participar na cerimónia do Rosário, de rezar cada Pai Nosso e cada Avé-Maria naquela alameda de cimento, sente-se atraiçoada. “Que maldade não poder estar lá dentro”, desabafa entre lágrimas. “Sei que a minha filha está com o Senhor e desde que ela morreu venho cá todos os anos agradecer a força e a coragem que Nossa Senhora e o Pai do Céu me dão. Sem isso não tinha vindo a mim.”
Depois do telefonema naquele dia trágico, em que a avisavam da morte da filha, educadora de infância de 25 anos, noiva, a uma semana do casamento, Ilda, antiga empregada numa fábrica de carnes, ficou dois a três anos como morta. Só se levantou pela força da fé. “Não tenho outro remédio senão andar.”
Para passar o tempo, dedica-se aos netos, ao cuidado do quintal, na sua casa na Batalha, e à estufa de rosas que mantém para enfeitar a campa da filha. Nestes dias de pandemia, esta paz possível, para quem vive a contragosto, à espera do dia em que se reencontrará com Jéssica, foi abanada. Sem poder ir à igreja, impedida de entrar no cemitério para deixar as rosas no jazigo da filha – “a campa dela tem de ser sempre a mais linda” – sentiu-se abandonada pela Igreja da qual se reaproximou após o luto. “Deviam ter-nos deixado vir, com cuidados e cautelas”, atira. “Era um miminho que nos davam.”
Resta-lhe o chão empedrado, numa das laterais do Santuário, onde se ajoelha e chora. O marido veio com ela, mas não ficou a assistir. “Não gosta de me ver chorar.”