“Até parece que gosto mesmo é de estar fechado”. A expressão é de André Matias, 28 anos, engenheiro informático, que há dois meses estava em isolamento na sua casa em Xangai e agora cumpre o mesmo ritual em Loulé, no Algarve. Em meados de fevereiro contava, numa das várias histórias da quarentena vindas do outro lado do planeta, como era viver numa cidade-fantasma.
A descrição condiz com o que vimos nas imagens que correram mundo. Mal se viam pessoas na rua e andava tudo de máscara. Autorização para sair só para ir ao supermercado ou à farmácia. Em algumas zonas, onde havia mais doentes, ficava-se confinado ao prédio. Em outros casos, podiam sair uma ou duas vezes por semana.
“Todos os condomínios tinham vigilantes que tiravam a temperatura aos residentes à entrada e à saída. Controlavam igualmente as vezes que se tinha ido à rua. Quem não cumprisse era denunciado”, recorda.
Quem estivesse infetado, então, não podia sair de todo. Se não fosse grave, aguardava que lhe trouxessem alimentos e tinha de os puxar da janela com um balde. Caso contrário, era obrigado a aguardar que o viessem buscar. “Aqui é bem mais à vontade”, reconhecendo ainda que a política de controlo dos cidadãos já existia – foi só preciso adaptá-la à situação.
Quando, naqueles primeiros dias de fevereiro, percebeu que não ia voltar ao trabalho tão cedo, André pensou logo em regressar a Portugal. Comprou logo bilhete, mas esse voo foi cancelado. Até que no início de março conseguiu voltar.
“Já havia bastantes casos em Itália e alguns em Espanha, mas cá não”, segue André, que à época não imaginava voltar a viver em isolamento tão cedo. “Mas até é bom não termos demorado muito a tomar medidas. Fomos, aliás, bem mais rápidos do que Itália ou Espanha”.
Esse facto, e um olhar de engenheiro aos números e às curvas de infeção, nos vários países, tornam-no mais otimista do que poderíamos pensar. “Pela forma como a doença está a progredir cá, diria que as medidas estão a surtir resultados. A manter-se esta tendência, há uma grande possibilidade de ficarmos longe do que estamos a ver em Itália e em Espanha.”
Da sua janela, garante, mal se veem pessoas na rua. Embora aqui as coisas se possam complicar um bocadinho: a maioria são idosos, que continuam a ir ao café porque é a única forma de não se sentirem sozinhos.