Está tudo a acontecer depressa. Muito depressa. Mesmo muito, muito depressa. Não consigo deixar de pensar no pouco que sei sobre a II Guerra Mundial. Tenho um conhecimento idêntico ao de muita gente sobre o assunto. Isto é, estudei a II Guerra Mundial quando andei no liceu e li pouco sobre o assunto, embora tenha lido muitos romances e visto muitos filmes que se passaram durante esse período. Quem não se lembra de O Diário de Anne Frank, A Escolha de Sofia ou Casablanca?
O que mais associo à II Guerra Mundial? Pessoas de um lado para o outro. Pessoas a fugir para salvar a vida. Muitos escritores, atores, realizadores, cientistas, filósofos, pensadores, que marcaram de forma indelével o mundo nos últimos 75 anos, fugiram de um lado para o outro para salvar a vida. Ou, tendo ficado no mesmo sítio, sobreviveram. Quer a ação de partir, quer a ação de ficar, definiu-os e definiu tudo o que fizeram depois. Como esquecer Primo Levi? Stefan Zweig? Como esquecer Hanna Arendt? Marguerite Lwoff?
O que mais associo à II Guerra Mundial? Pessoas de um lado para o outro. Pessoas a fugir para salvar a vida. Muitos escritores, atores, realizadores, cientistas, filósofos, pensadores, que marcaram de forma indelével o mundo nos últimos 75 anos, fugiram de um lado para o outro para salvar a vida
Este ano, 2020, em que se celebram 75 anos sobre o fim da II Guerra Mundial, houve muitos artigos no The Guardian sobre os sobreviventes do Kindertransport e mesmo alguns testemunhos. Com a Noite de Cristal, ser judeu tornou-se uma sentença de morte, e os pais procuravam para os seus filhos a segurança. Estamos a falar de crianças ou jovens adolescentes cujos pais consideraram que era a melhor forma de as manterem seguras e de as ajudarem a sobreviver à guerra era enviarem-nas para países estrangeiros, quase sempre sozinhas, e sem dominar a língua.
O que se tem passado nas duas últimas semanas é o que descrevi em cima, e que levou alguns anos. As pessoas estão todas a fugir. Mas a fugir para junto das pessoas que amam. Não há ninguém que ainda pense que pode fugir para onde esteja seguro. O vírus está em todo lado. Começamos quase todos a aceitar que não há nenhum país que lhe vá conseguir escapar. E, neste caso, quem decide ficar longe do seu país é por ter medo de poder infetar os que mais ama. Ou porque não foi suficientemente rápido a tomar a decisão e agora já não consegue voltar. Em menos de um mês, tudo mudou. A redução do tráfego aéreo mundial é sem precedentes. Uma amiga hoje dizia-me por videochamada no WhatsApp: “Imaginavas que, quando estivemos juntas há dois meses, hoje o mundo estaria assim?”. Mas, na verdade, só tinham passado seis semanas desde que tínhamos estado juntas no país para onde ela emigrou. Ela não queria acreditar que tinham sido apenas seis semanas. Mas foram.
E a velocidade a que tudo sucede é impressionante. Tudo muda de uma hora para a outra. O número de casos confirmados. O número de casos graves. O número de óbitos. Mas também o número de casos recuperados. E estes, embora sejam aqueles para que olhamos com menos atenção, são os mais importantes. Só conseguimos ouvir os outros números. Só conseguimos sentir-nos completamente impotentes e derrotados por aqueles números. Não param de crescer. São cada vez maiores. Esmagam-nos cada vez mais. Mas os números mais importantes são o número de casos ligeiros, cerca de 95% do total de casos ativos. E o número de casos recuperados. Estes são os números que nos dão esperança. Estes são os números daqueles que ainda podem marcar de forma indelével os próximos 75 anos!