Imagine que acaba de ganhar 50 euros de forma totalmente inesperada. Agora, pense como se sentiria se perdesse exatamente a mesma quantia de dinheiro. Em qual das situações a emoção seria mais intensa?
Foi um exercício semelhante a este que o Nobel da Economia Daniel Kahneman propôs aos participantes de um estudo científico. Conclusão: aqueles que imaginavam ter perdido dinheiro tinham uma reação emocional significativamente mais intensa do que os que pensavam na possibilidade de serem premiados – o que acabaria designado por aversão à perda. Estes resultados vão ao encontro do chamado viés da negatividade, ou seja: o cérebro humano está predisposto a sobrevalorizar as más experiências.
“Respondemos mais intensamente aos estímulos negativos por uma questão de sobrevivência”, sintetiza o docente de Psicologia da Universidade Lusófona, em Lisboa, Pedro J. Rosa. O também investigador do Human Environment Interaction Lab (HEI-Lab), da mesma universidade, lembra que as chamadas emoções básicas (universais e inatas) contemplam apenas uma emoção claramente positiva – a alegria – mas várias negativas, como o medo, a raiva, o nojo, a tristeza ou o desprezo. “De acordo com a abordagem evolucionária, estas emoções negativas foram moldadas no sentido de nos prepararem para a ação, sendo essenciais no reconhecimento das ameaças de forma rápida.”
Mas já se sabe que a pressa é inimiga da perfeição. Esta reação apressada ao perigo promove os falsos positivos. “Por exemplo, estamos a passear num jardim à noite, ouvimos um ruído atrás de um arbusto e fugimos. Só mais tarde, a uma distância segura, verificamos o que possa ter sido. O nosso organismo tem um sistema de defesa que maximiza a probabilidade de sobrevivência, mas incrementa o número de falsos alarmes. É designado como o princípio do detetor de fumo”, explica Pedro J. Rosa. Apesar de essencial para a preservação da espécie, esta perceção exacerbada das ameaças pode provocar comportamentos excessivos, por exemplo numa discussão conjugal.
Os habituais votos matrimoniais instam os casais a amarem-se e a respeitarem-se na alegria e na tristeza mas, afinal, estas duas emoções não são simétricas. Se o cérebro se foca especialmente nos estímulos negativos, a longevidade das relações estará muito mais dependente da forma como cada um dos parceiros lida com as frustrações do que com as experiências positivas que partilham em conjunto. Talvez os votos devam ser atualizados para “na alegria e – sobretudo – na tristeza”…
A armadilha da insegurança
O investigador Pedro J. Rosa sublinha que a avaliação que fazemos dos outros não resulta de um processo aritmético. “Uma determinada característica negativa de alguém pode ter mais peso do que vários aspetos positivos.” O paralelismo futebolístico é irresistível: “Como quando um guarda-redes faz dez defesas incríveis num jogo, mas deixa entrar um único ‘frango’ e é atormentado por causa disso.” Significa que “o todo é mais negativo do que a soma das partes”, uma vez que as características positivas são menos valorizadas.
Alguns investigadores defendem que os acontecimentos negativos podem ter um impacto entre duas a quatro vezes superior aos estímulos positivos
Sendo assim, quando se esquece do aniversário de alguém, não basta lembrar-se da próxima vez para reequilibrar a balança. Alguns investigadores defendem que os acontecimentos negativos podem ter um impacto entre duas a quatro vezes superior aos estímulos positivos. O psicólogo Roy Baumeister, um dos autores do livro The Power of Bad: How the Negativity Effect Rules Us and How We Can Rule It (O Poder do Negativo: Como a negatividade nos domina e como nós podemos dominá-la,em tradução livre, ainda sem edição portuguesa), sugere um rácio de cinco coisas boas por cada má para manter uma relação feliz.
Lembra-se dos elogios que o seu ou a sua chefe fez à sua última apresentação? E dos aspetos a melhorar que apontou? O viés da negatividade também justifica que, quando se é alvo de comentários simultaneamente elogiosos e críticos, sejam os aspetos negativos a captarem a atenção. Por isso, os autores do livro The Power of Bad sugerem que, em vez de destacar, em primeiro lugar, os aspetos positivos de alguém e depois fazer uma crítica, o ideal é inverter a ordem e começar por apontar o que é negativo, terminando de forma elogiosa. Caso contrário, o cérebro fica obcecado pelas críticas e oblitera o que foi dito de positivo inicialmente.
Os chamados “eventos aversivos” ativam a amígdala, que funciona como uma espécie de alarme do cérebro, induzindo estados emocionais negativos. Quando ocorre um acontecimento desagradável, ele é mais facilmente armazenado na memória a longo prazo, ao contrário dos eventos positivos. A informação negativa também é mais rapidamente invocada pelo cérebro. Assim, registamos mais depressa um insulto do que um elogio.
Apesar de este viés ter sido moldado pela Evolução, ele também depende das experiências de cada um. Os traumas de infância, os abusos que se sofreram, as opiniões que mais se valorizam, a forma como se interpreta o que é dito… Tudo isso influencia o abismo da negatividade. A baixa autoestima pode ser especialmente relevante, já que leva as pessoas a reagirem de forma desproporcional a tudo o que é negativo. Presumem que os seus parceiros ou parceiras vão julgá-las tão impiedosamente quanto elas se julgam a si mesmas.
7 formas de contrariar a negatividade
Racionalidade
Adotar uma postura mais consciente da sua própria tendência para a negatividade e trazer deliberadamente à mente os pensamentos mais agradáveis
Celebração
Assinalar as experiências positivas que se vivem com o parceiro ou com a parceira, dando-lhes mais peso do que teriam se fossem negativas
Empatia
Colocar-se no lugar da outra pessoa e ponderar como se sentiria se fosse ela a dizer-lhe o que se prepara para afirmar
Ação
Estabelecer novos padrões, procurando atividades que ajudem a contrariar os pensamentos negativos
Otimismo
Construir memórias positivas em conjunto, investindo na relação e tendo tempo para ela
Partilha
Compreender as necessidades emocionais um do outro é primordial para garantir que ambos se sentem amados
Humildade
E, quando não se consegue mesmo evitar magoar alguém, o primeiro passo deve ser um pedido de desculpas
Uma investigação conduzida por psicólogos da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos da América, em que vários casais foram filmados a discutirem os seus problemas, mostrou que as pessoas mais inseguras tinham maior tendência para se queixarem, falarem em tom hostil, revirarem os olhos, negarem responsabilidades ou insultarem o companheiro ou a companheira. De acordo com a coordenadora do estudo, a psicóloga Geraldine Downey, o medo da rejeição intensifica o stresse de quem tem baixa autoestima. Assim, uma pequena discussão é vista como um sinal premonitório do fim da relação. “A baixa autoestima transmite-se à outra pessoa, é como se se estivesse permanentemente a dizer ao parceiro que é uma má aposta gostar de nós, sem ser sequer preciso verbalizar”, explica a psicanalista Maria do Rosário Belo. A pessoa insegura, ao transmitir que é uma “má aposta”, ainda que inconscientemente, pode acabar por convencer o parceiro disso mesmo.
Alerta de contágio
Um dos problemas da negatividade é ser contagiosa. Se um dos elementos do casal age de forma sistematicamente negativa, o outro começa a responder na mesma medida. Por isso, quando um dos elementos do casal está a ser difícil ou desagradável, é especialmente importante que o outro não caia na armadilha de ser igualmente negativo. Erro comum é antecipar que o parceiro vai reagir de determinada maneira e agir de forma defensiva ainda antes de esse comportamento se confirmar.
Pedro J. Rosa sublinha a importância da “aceitação incondicional e positiva”, ou seja, aceitar o outro sem críticas nem julgamentos. E também destaca a importância de uma “comunicação colaborativa”: “Os problemas de muitas relações são de natureza comunicacional porque, embora pareça uma tarefa simples, comunicar exige bastante dos intervenientes”, nota.
Travar esta espiral destrutiva implica um esforço racional. “Reconhecer este viés já nos torna mais conscientes dos nossos julgamentos”, garante o investigador. “Ao aumentarmos a nossa autoconsciência, percebemos a razão de reagirmos de determinada maneira.” E, até, se estaremos a ser manipulados. Afinal, a maior sensibilidade à informação negativa também é explorada, por exemplo, a nível político, daí a importância de se estar alerta para a contrariar.
“É verdade que temos tendência para não valorizar tanto o que é bom, mas é importante perceber que a relação amorosa só suporta os aspetos disruptivos se houver um fundo de experiências positivas”, lembra Maria do Rosário Belo. “Só se tolera que o parceiro de vez em quando não seja empático se, em regra, ele o for.”
Ainda mais do que fazer bem ao outro, numa relação amorosa – e, na verdade, em todas elas –, a prioridade deve ser não fazer mal. E não cair no erro de subestimar o impacto de magoar a outra pessoa. A Ciência vai, assim, ao encontro do ditado popular: “Não faça aos outros o que não gostaria que lhe fizessem a si.”