Entre os séculos XVI e XIX, milhões de homens e mulheres africanos, do norte ao sul do continente, foram forçados a embarcar numa viagem transatlântica com destino às Américas – num dos episódios mais trágicos da História da humanidade: a Diáspora Africana.
Uma equipa internacional de investigadores descobriu agora que, além de ficar inscrito na História, ficou também no código genético das populações americanas e assim permaneceu até hoje. A conclusão foi apresentada por um estudo (“Impacto da Diáspora Africana das Populações das Américas”), publicado recentemente na revista científica Molecular Biology and Evolution.
Ao todo, foram analisados mais de 6 mil genomas humanos de 22 populações diferentes: 11 africanas, 9 afro-americanas e duas de origem europeia (uma espanhola e outra norte-americana com ascendência europeia). Durante mais de três anos, estes dados foram analisados pela equipa de investigadores que conseguiu identificar semelhanças entre as informações genéticas de ambos os povos.
Eduardo Tarazona-Santos, principal autor do estudo e professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais, no Brasil, explicou: “Geneticamente, os africanos são a população com mais diversidade no mundo. Observamos, pela primeira vez, que a Diáspora Africana para as Américas foi tão grande e duradoura que os africanos trouxeram toda a sua diversidade genética, que hoje está presente no componente africano dos nossos genomas miscigenados.”
Os resultados permitiram assim identificar um intervalo temporal entre 1750 e 1850 durante o qual foram registados os maiores picos no desembarque de escravos africanos. Mais, esse período corresponde diretamente à intensificação do fenómeno de miscigenação no continente americano: “Interpretamos isso como um indício de que o período de maior miscigenação das Américas coincidiu com o de maior chegada dos escravos”, rematou o biólogo.
Este processo que começou imediatamente após a chegada dos primeiros escravos africanos ajuda a explicar todo o fenómeno de miscigenação: a ancestralidade africana predominante no continente americano teve origem neste fluxo de migração oriundo de países como a Nigéria, Gana e da região Centro-Ocidental de África.
Além disso, estas descobertas permitiram ainda mostrar que este movimento de povos africanos obedeceu a uma certa coordenação geográfica orientada pelo eixo norte-sul: “Nas Américas, a ancestralidade do Oeste africano, de países como Senegal e Gambia, aumenta em direção ao Norte, em particular no Caribe e na América do Norte, e a dos povos Bantu do Sul e Leste da África, é maior no Sul do Brasil”, explicou Tarazona-Santos que define o genoma latino-americano como um “mosaico de ancestralidades indígenas, africanas e europeias.”
Nos últimos 500 anos, o fenómeno de miscigenação (mistura de raças) foi maior nas Américas do que em África e isso fez com que a parte africana do genoma das populações americanas apresentasse uma maior homogeneidade quando comparado com as populações africanas: “Um brasileiro do Sul e um afro-americano são geneticamente mais similares no seu componente africano do que um moçambicano versus um nigeriano.”
Estas descobertas abrem agora caminho a futuras investigações, nomeadamente no campo das doenças genéticas herdadas destes fenómenos ancestrais de miscigenação: “Hoje, sabemos bastante sobre os europeus e as doenças genéticas presentes nos genomas herdados da Europa, e muito pouco sobre outros povos, como os da África”, explicou Taranza-Santos. O mapeamento da distribuição do ADN de origem africana e das variantes genéticas pode assim representar um grande avanço para a ciência descobrir a causas da fibrose cística e de diversos tipos de cancro, como o da mama, por exemplo.