Rui Manuel Gonçalves foi o juiz relator do acórdão que absolveu José Veiga, em Julho de 2013, num caso de fraude fiscal relacionado com a transferência de João Vieira Pinto para o Sporting. O ex-agente de futebolistas tinha sido condenado em 1ª instância a uma pena suspensa de quatro anos e seis meses de prisão por fraude fiscal e branqueamento de capitais, mas quando o caso chegou ao Tribunal da Relação de Lisboa José Veiga e os então dirigentes do Sporting (Luís Duque e Rui Meireles) foram absolvidos, sendo o antigo jogador João Vieira Pinto o único condenado por um esquema que lhe permitira não pagar impostos relativos a um prémio de assinatura de 4,2 milhões de euros.
A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, assinada pelos desembargadores Rui Manuel Gonçalves e Conceição Gonçalves, sempre foi polémica, mas foi no início de 2018 que voltou a estar sob suspeita, quando Rui Rangel foi alvo de buscas na Operação Lex por suspeitas de ter recebido dinheiro de José Veiga para conseguir decisões judiciais favoráveis nos processos em que era visado.
A grande dúvida era se Rui Rangel efetivamente influenciava essas decisões judiciais, ou se cometia uma espécie de burla, dizendo que influenciava, mas nada fazia.
Só que agora, novos dados da Operação Lex a que a VISÃO teve acesso mostram que Rui Manuel Gonçalves, o juiz da 3ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa que absolveu José Veiga em julho de 2013, recebeu no seu email o recurso do empresário em Outubro de 2012, mas o recurso só deu entrada naquele tribunal superior em dezembro desse ano e só foi oficialmente distribuído àquele juiz desembargador a 7 de janeiro de 2013.
Como se explica, então, que este juiz tenha recebido no seu email este recurso quase três meses antes de ter sido o juiz sorteado para o julgar? É o mistério que os investigadores que estão a investigar o processo-crime no Supremo Tribunal de Justiça estão agora a tentar desvendar.
Rui Manuel Gonçalves não respondeu às tentativas de contacto da VISÃO. Também o Conselho Superior da Magistratura (CSM) não esclareceu se instaurou ou não um inquérito disciplinar a este magistrado, dando apenas esta resposta: “O CSM não se pronuncia sobre matéria disciplinar, exista ou não.” Recorde-se que o Conselho Superior da Magistratura é precisamente o órgão de disciplina dos juízes, ou seja, o órgão que deve zelar pelo normal funcionamento dos tribunais e para que os magistrados judiciais não falhem os deveres inerentes às suas funções. Neste caso, o órgão de disciplina dos juízes tinha de ter conhecimento destes emails suspeitos, uma vez que eles foram plasmados para o processo discplinar de Rui Rangel, o mesmo processo que levou à decisão de expulsar o juiz da magistratura, a 3 de dezembro do ano passado, e a que a VISÃO teve acesso, e esta semana revela, na edição que esta quinta-feira chega às bancas.
O que mostram os emails
Os emails recolhidos durante as buscas da Operação Lex, no início de 2018, mostram que, depois de ser condenado pelas Varas Criminais de Lisboa, a 10 de setembro de 2012, José Veiga enviou o seu recurso por email, a 19 de outubro de 2012, para Octávio Correia, funcionário do Tribunal da Relação de Lisboa que também foi constituído arguido e interrogado na Operação Lex, por suspeitas de ser um dos intermediários de Rui Rangel numa alegada rede de venda de decisões judiciais e outras atividades lucrativas paralelas.
Esse funcionário judicial, por sua vez, logo nesse mesmo dia reencaminhou o recurso de José Veiga para o email de Rui Rangel e para o email de Rui Gonçalves. Acontece que o recurso só deu entrada no Tribunal da Relação de Lisboa a 20 de dezembro de 2012 e só foi oficialmente distribuído a Rui Gonçalves a 7 de janeiro de 2013.
Apesar das fortes suspeitas que estes emails também levantam sobre a aleatoridade da distribuição dos processos no Tribunal da Relação de Lisboa, o juiz Orlando Nascimento, presidente daquele tribunal superior, não esclareceu à VISÃO como se explica a coincidência de um juiz receber no seu email um processo quase três meses antes desse mesmo processo lhe ser sorteado, alegando que grande parte das perguntas da VISÃO diziam respeito a um processo que está pendente no Supremo Tribunal de Justiça (a Operação Lex, que tem como principal arguido Rui Rangel). Disse apenas que já nessa data os processos eram distribuídos através de um programa informático, em sorteios que eram presididos pelo vice-presidente do tribunal. Tudo foi uma pura coincidência?
As transferências de José Veiga
O Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça ainda está a investigar a coincidência daquele email para o juiz que viria a ser sorteado, mas sobre a análise contabilística já não tem dúvidas. Bernardo André Santos Martins, filho do advogado José Santos Martins, amigo de Rui Rangel e também arguido na Operação Lex, recebeu nas suas contas 250 mil euros de José Veiga, em várias tranches, entre agosto de 2012 e setembro de 2013.
Também no processo disciplinar em que foi decidido que Rui Rangel deveria ser expulso da magistratura por violação reiterada e grave das suas funções, foi dado como provado que esse dinheiro de José Veiga terminou nas contas de Rui Rangel, quase sempre através de depósitos em numerário feitos por Bernardo André Santos Martins, e logo a seguir às suas contas serem alimentadas com as transferências bancárias de José Veiga, feitas a partir de uma empresa no Congo para a qual os Santos Martins nunca trabalharam.
Saiba mais sobre estas transferências e sobre o conteúdo do processo disciplinar de Rui Rangel na edição da VISÃO que esta quinta-feira chega às bancas. A vida de luxo do antigo juiz desembargador que é suspeito de tráfico de influência, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Os gastos em casas, carros e mobílias, os emails com os pedidos de dinheiro ao amigo advogado que funcionava como “central de despesas”, os alegados clientes, os acórdãos que tiveram a ajuda da mulher Fátima Galante e muito mais.