Há cerca de 15 anos, uma família do leste dos EUA foi atingida por uma tragédia – um dos seus filhos morreu subitamente, enquanto brincava. Apenas alguns meses depois, o mesmo aconteceu com outro dos seus filhos. Seis anos depois, com outro. E dois anos depois, com outro ainda. Quatro mortes repentinas e inexplicáveis. Quatro autópsias inconclusivas.
As crianças pertenciam a uma família Amish, um grupo religioso protestante que recusa muitas das evoluções tecnológicas atuais e vive em comunidades fechadas e conservadoras. Os Amish diziam que tinha caído sobre eles a “maldição da morte súbita”. E os médicos não conseguiam descobrir porquê.
Após a morte das duas primeiras crianças, em 2004, um dos médicos legistas que realizou as autópsias entrou em contacto com investigadores do Laboratório de Genética da Mayo Clinic, pioneiros em técnicas de “autópsia molecular”. A equipa suspeitava que o gene RYR2 poderia ser o culpado – mutações neste gene podem causar uma arritmia cardíaca que provoca desmaios, convulsões ou até à morte. Mas quando analisaram o gene para verificar se havia mutações, não encontraram qualquer pista.
Com o passar dos anos, cardiologistas pediátricos e geneticistas de outras zonas dos EUA entraram em contato com o laboratório da Mayo Clinic a propósito de mortes semelhantes no seio de outras famílias Amish. Mas só há poucos meses houve um avanço na investigação das causas destas mortes, com a ajuda de uma nova tecnologia.
No início de janeiro foi publicado um estudo no JAMA Cardiology, sustentando que todas as crianças Amish haviam herdado a mesma mutação genética de ambos os pais. Dos 23 jovens que a tinham herdaram, no seio de duas grandes famílias, 18 tiveram morte súbita.
“Quando começámos a estudar a estrutura familiar, ficou claro que era provavelmente um distúrbio recessivo”, disse à CNN David Tester, investigador principal. “Com mais informações e com outras capacidades tecnológicas para analisar genes, conseguimos juntar as peças do puzzle.”
O RYR2 – o gene que começaram por investigar – era realmente o responsável. Mas não havia apenas um erro neste gene. “Era uma condição recessiva herdada de ambos os pais, ou seja, essas crianças tiveram a infelicidade de receber um problema em dose dupla”.
Para desenvolver a duplicação que causa a morte súbita, a criança teria de herdar um gene mutado de cada progenitor – as hipóteses seriam de 25%. Que quatro crianças numa família tenham herdado a mutação é também um caso raro de pouca sorte.
Os Amish podem ser mais vulneráveis a herdar estas condições recessivas porque descendem de um pequeno número de famílias e tendem a casar-se entre eles. As duas famílias estudadas aparentemente não tinham relação, mas como todas as crianças tiveram exatamente a mesma duplicação num gene herdado de ambos os pais, é provável que tenham um ancestral comum.
Para já, a única solução para as crianças que herdaram a mutação, e correm o risco de morte súbita, é a implantação de um desfibrilhador cardíaco, extremamente caro. Mas, agora que os investigadores ficaram a conhecer este marcador genético, podem ser adotadas medidas para impedir outros casos. Passa a ser possível testar qualquer indivíduo para detetar a mutação e, se os portadores souberem que a têm, podem tomar decisões informadas sobre se devem ou não casar-se com outra pessoa que também a possua.
E a “maldição” da comunidade Amish, onde tantas crianças morreram de repente, pode vir a transforma-se numa benção para milhares de famílias em todo o mundo. Graças a esta descoberta, há agora a esperança de conseguir criar um medicamento para prevenir a morte súbita, condição que rouba a vida a milhares de crianças e jovens desportistas aparentemente saudáveis, e a mais de 20 mil recém-nascidos, todos os anos.