Uma faca no externo. A tíbia fraturada ao meio. Um dos dedos da mão praticamente esmagado. São dores reveladas nos aparelhos de raios X por mulheres que acorreram à urgência hospitalar nos últimos anos, na cidade italiana de Milão. Agora, são também parte de uma exposição chamada A Invisibilidade Não É Um Superpoder, uma iniciativa da cirurgiã Maria Grazia Vantadori, 59 anos, que quis mostrar uma das mais duras realidade dos seus 26 anos de prática, em conjunto com a Fundação Pangea, promotora da Reama, a rede de capacitação e autoajuda para mulheres vítimas de violência naquele país.
“Chegam ensanguentadas, às vezes cortadas, queimadas, com ácido a desfazer-lhes a cara. Mas o que queria mostrar é que há muita dor que permanece invisível”; disse Vantadori à AFP. “E o bom dos raios X é que nos lembra que somos todos iguais. Então, estas imagens podem ser de qualquer mulher”, sublinhou.
A exposição no átrio do hospital San Carlo Borromeo, em Milão, mostrou isso tudo, logo após o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, a 25 de novembro, mas não só. A compor o ramalhete de imagens médicas foram entrelaçadas citações de outras mulheres, anónimas, como aquela que conta como o parceiro a agarrou pelos cabelos e atirou-lhe com a cabeça contra a parede da cozinha. Não uma, mas 43, quarenta e três vezes. “Contei os golpes para me tentar distrair da dor”, justificou. Uma dor que também trespassa das palavras de um filho ou de uma vizinha de alguém que seja vítima de violência dentro de portas. Os relatos, a acompanhar as imagens aqui em baixo, falam por si.
São histórias compiladas pelo serviço online de combate à violência da rede Reama, a que se juntou a narrativa visual da fotógrafa Marzia Bianchi “A invisibilidade não é uma superpotência”, insiste Marzia, segundo o comunicado divulgado por aquela organização, “quer dizer que é preciso quebrar o muro do silêncio que envolve estas mulheres”.
É por isso que a exposição é feita pelos seus corpos, que são os seus ferimentos que falam, transformando estas histórias individuais numa única história coletiva – mas não só, assinala ainda Simona Lanzoni, vice-presidente da Fondazione Pangea e coordenadora da rede Reama: “Muitas vezes as mulheres chegam à sala de emergência e, sem saberem ainda os efeitos do que lhes aconteceu, não assumem logo ser vítimas de violência. São depois os corpos e os seus ferimentos que falam por elas, numa vertigem de horror diário. E quem recebe estas mulheres deve saber descodificar os silêncios e atribuir a dimensão correta às lesões, sobretudo quando são incompatíveis com o que lhes foi narrado, tantas vezes por vergonha e medo. Muito medo.”