As estrelas entregues quarta-feira, 20, no teatro Lope de Vega, em Sevilha, só dizem respeito a Portugal e Espanha, e a proporção do Guia Michelin para cada um dos países nem sequer é proporcional à sua respetiva dimensão. E se, desde 2016, o número de restaurantes nacionais estrelados (são eles que recebem a distinção, não os chefes) tem vindo a aumentar, a discrepância entre os dois vizinhos da Península Ibérica continua a ser grande. Até agora, conseguiram-se 26 (aqui ao lado há 206) – em seis casos com a estrela duplicada, a saber o Belcanto, de José Avillez, em Lisboa, o Il Gallo d’Oro, chefiado por Benoît Sinthon, no Funchal, o Ocean, de Hans Neuner, no resort Vila Vita Park, em Armação de Pêra, o The Yeatman, liderado por Ricardo Costa, em Vila Nova de Gaia, o Vila Joya, do austríaco Dieter Koshina, perto de Albufeira e, mais recentemente, o Alma, do chefe Henrique Sá Pessoa, no Chiado, em Lisboa.
Em Portugal, não há nenhum restaurante com três estrelas (em Espanha há 11) e essa é a grande expectativa da gala de Sevilha, pois qualquer um dos nomes referidos, que atualmente detém duas estrelas, pode subir a parada nesta edição. Até porque o próprio guia já anunciou um ano “excecional” para a Península Ibérica, quando se comemoram 110 da primeira edição dedicada à gastronomia deste canto do mundo.
Além de mais estrelas e de novidades, também aumentará o número de restaurantes distinguidos como Bib Gourmand, ou seja, que apresentam uma boa relação qualidade/preço. Esta categoria é considerada a segunda mais importante e o seu nome inspira-se na mascote da marca, de nome Bibendum.
A edição de 2020 vai ainda ter textos maiores e mais pormenorizados sobre as especialidades de cada casa. Afinal de contas, trata-se de um guia de restaurantes, e esse tipo de informação pode ser preciosa para quem o compra e segue à risca as suas recomendações.
Pela primeira vez, há um chefe português que quer renunciar à estrela que detém há 19 anos. Henrique Leis, do restaurante algarvio com o mesmo nome, alega cansaço e espera não ver renovada a sua distinção, especialmente depois de, em julho, ter tornada pública a sua intenção de dispensar tal prémio. “A Michelin pode ser dona da estrela, mas não é dona do meu restaurante. Eles deram-me a estrela como se fosse um empréstimo, enquanto eu merecesse”, explicou o chefe brasileiro, numa entrevista à Lusa, na altura desse anúncio. Além da queda esperada desta estrela, ainda se especula que a de L’And Vineyards, em Montemor-o-Novo, também deixe de existir, por causa da saída do chefe Miguel Laffan, que lá estava quando a estrela foi atribuída a este restaurante perdido, numa herdade no Alentejo.
No ano passado, a gala realizou-se pela primeira vez em Lisboa, no Pavilhão Carlos Lopes, e trouxe algumas novidades: além da segunda Michelin para o Alma, houve três estreias, todas fora da capital: A Cozinha, de António Loureiro, em Guimarães, o G Pousada, em Bragança, dos irmãos Gonçalves e ainda o japonês Midori, no Penha Longa Resort, em Sintra, cuja cozinha está nas mãos de Pedro Almeida.
À lista de estrelas nacionais, ainda se somam mais 17: Gusto by Heinz Beck (Almancil), Vista Restaurant (Portimão), Antiqvvm (Porto), Bon Bon (Carvoeiro), Casa da Calçada (Amarante), Casa de Chá da Boa Nova (Leça da Palmeira), Eleven (Lisboa), Feitoria (Lisboa), Fortaleza do Guincho (Cascais), Henrique Leis (Almancil), LAB by Sergi Arola (Sintra), L’And Vineyards (Montemor-o-Novo, Alentejo), Loco (Lisboa), Pedro Lemos (Porto), São Gabriel (Almancil), William (Funchal), Willie’s Vilamoura).
As primeiras estrelas
Foi na cidade francesa de Clermont-Ferrand que, em 1889, André e Édouard Michelin fundaram uma empresa de pneus, ainda hoje conhecida no mundo inteiro. Logo em 1900, com o lançamento dos guias e mapas Michelin, os irmãos transformaram a marca em sinónimo de viagens e alta culinária, classificando os restaurantes pelos quais valia a pena viajar. Mas tudo começou com a intenção de divulgar os pneus e incentivar as viagens de carro. O guia vermelho – é desta cor desde o início e daí ter ganho a alcunha – passou a ser distribuído gratuitamente aos motoristas, tinha 400 páginas e apresentava informações sobre viagem e cuidados com o automóvel, dicas sobre onde comer e beber, como trocar o pneu e locais para abastecer o carro, por exemplo. Só mais tarde, a publicação passou a classificar restaurantes e hotéis. Hoje, o Guia Michelin avalia mais de 30 mil locais, em cerca de 30 destinos na Europa, Américas e Ásia.
No entanto, só em 1926 o guia começou a conceder estrelas, hierarquizando-as. A avaliação ainda hoje se faz com recurso aos mesmos critérios definidos há quase um século, como a qualidade dos ingredientes, a personalidade do chefe ou o domínio do sabor e das técnicas culinárias.
Como há cem anos, os restaurantes que recebem uma estrela são reconhecidos pela preparação da cozinha, pela regularidade na execução dos pratos e pela utilização de ingredientes de boa qualidade; os de duas, além desses critérios, ainda contam com um aquilo a que os inspetores, que atuam sempre de forma anónima, chamam de chefe talentoso. Garantem, por isso, que vale a pena fazer um desvio na viagem para visitar o local; as três estrelas só estão acessíveis a cozinhas excepcionais, que apresentem pratos saborosos, ingredientes de qualidade e tenham um chefe com prestígio e experiência diferenciada.