Que categoria!”, exclama um dos 53 passageiros na hora de estrear a nova rota que liga Cascais ao Porto. E não se está a referir ao preço do bilhete, uns módicos 5,29 euros. Com aspeto robusto e confortável, surge na paragem de autocarro um dos veículos da Royal Express (nova linha da Scotturb), que desde 27 de setembro fazem quatro partidas diárias (7h, 13h, 19h, 1h) de Cascais – mais outras tantas do Porto –, com bancos reclináveis, ar condicionado, wi-fi, pequeno ecrã e casa de banho a bordo.
Com a Ryanair a pôr fim à ligação aérea entre as duas maiores cidades nacionais, a partir de 25 de outubro, alegando “razões comerciais”, a nova campanha da portuguesa Scotturb, do grupo brasileiro Guanabara, não podia vir em melhor altura. Pelo menos, durante o mês de outubro vai manter-se a promoção de bilhetes a €5,29, garante Nuno Oliveira, diretor comercial e de vendas da empresa, que já opera 52 carreiras nos concelhos de Cascais, Oeiras e Sintra, transportando um milhão e 800 mil passageiros por mês. “Este valor vai sempre existir. Poderá passar a depender da antecedência com que se compra o bilhete e o horário escolhido”, acrescenta.
As irmãs Juceline e Erica, 21 e 19 anos, souberam da novidade através de um conteúdo patrocinado no Instagram. No início duvidaram do preço, mas depois compraram os bilhetes no site, sem nenhum percalço. De férias, foram de Lisboa até Cascais apanhar a camioneta para passar uns dias no Porto. A australiana Loraine também está em Portugal de férias com o marido. O casal aterrou em Lisboa e pernoitou no Estoril. Quando viram os outdoors a anunciar a viagem, perceberam que era um preço muito barato, quer para turistas quer para portugueses. Escusaram de apanhar o comboio para Lisboa e aí optar por um autocarro ou outro comboio. O mesmo se passou com Mendes Ferreira, 64 anos, portuense a fazer consultoria em Cascais. Costumava regressar a casa na Rede Nacional de Expressos, apanhando o autocarro na Gare do Oriente, em Lisboa. Assim é muito mais barato e, mesmo que o preço duplique (€10), vai sempre compensar os €36 de ida e volta dos autocarros mais tradicionais ou os €56 do comboio. As professoras Daniela Russo, Isabel Carneiro e Marisa Fernandes, naturais da Região Norte, vão ser clientes habituais. Colocadas numa escola em Alcabideche, todas as sextas-feiras regressam a casa para visitar a família. Souberam da rota através do Facebook e já estão a planear comprar os bilhetes com antecedência para o mês todo.
Asfalto de qualidade
Há oito anos, três colegas de trabalho, hoje na casa dos 30 anos, juntaram-se para fundar a FlixBus, uma startup de Munique que organiza viagens de autocarro sustentáveis. André Schwämmlein, adepto de conceitos de mobilidade alternativa, não tem carro e desloca-se de bicicleta para o escritório. Enquanto estudante, Jochen Engert organizou viagens de autocarro para a prática de esqui nos Alpes. Já Daniel Krauss tinha fundado outra startup de sucesso com o seu colega André, mas também acabou por abandonar o seu emprego de vários anos na Microsoft, além do carro. Bastou-lhes a fusão com a empresa MeinFernbus, de Berlim, e à medida que outros países, como Itália e Holanda, começaram a liberalizar os seus mercados, a expansão geográfica deu-se, tornando a FlixBus líder de mobilidade europeia, pois também trabalha com comboios e automóveis (no conceito de boleias partilhadas).
Em 2017, Joana Martins, 24 anos, foi visitar uma amiga à Alemanha e viajou entre Berlim e Munique nos autocarros da FlixBus. No mesmo ano, de férias com a mãe na Dinamarca, foram de Copenhaga para Odense e, no verão passado, em Zagreb, na Croácia, apanharam o autocarro para o lago Bled. Viajar por terra foi sempre a opção mais barata e a forma mais prática de chegar a lugares que estão fora das rotas tradicionais que saem dos aeroportos. Mãe e filha repararam na preocupação que os motoristas têm em lidar com as diferentes culturas a bordo, desde estudantes do programa Erasmus até grupos de turistas asiáticos ou de reformados espanhóis. Em breve, vão poder experimentar o serviço dentro de Portugal.
Com a nova lei do mercado nacional rodoviário, aprovada no Conselho de Ministros de 22 de agosto, a FlixBus (que já opera no nosso país desde 2017, mas apenas nas linhas internacionais) vai começar a fazer ligações domésticas. Com a entrada em vigor da legislação, a partir de 4 de dezembro, os trajetos de longa e média distância em Portugal já podem ser operados por qualquer empresa.
“O boca a boca tem sido a melhor estratégia de marketing”, garante Andrés Bustillos, responsável pelo desenvolvimento de negócios na Península Ibérica. Em 2018, a FlixBus transportou 45 milhões de passageiros na Europa, em cerca de 350 mil ligações por dia. No fim de cada viagem, o atendimento dos motoristas, o conforto e os percursos rápidos são os aspetos mais elogiados. Já nos pedidos, os passageiros gostavam de ver a oferta chegar a mais países. O lado sustentável da FlixBus – primeira empresa rodoviária europeia a operar autocarros elétricos em longa distância, apesar de em Portugal ainda não os ter a circular – faz-se notar além dos 2 700 veículos verdes na Europa e nos EUA, onde entraram recentemente. “As estradas portuguesas são boas, têm um alto nível de qualidade, o que facilita muito as operações, mas para veículos elétricos falta ainda infraestrutura que não está desenvolvida [por exemplo, uma rede fiável de postos de carregamento]”, explica Andrés Bustillos.
Ao comprar um bilhete (sempre eletrónico, evitando imprimir em papel), as pessoas podem optar por fazer um donativo, um valor que é encontrado em função do número de quilómetros da viagem. Por exemplo: numa viagem de Lisboa a Madrid por €24,99 acresce um donativo de €0,51 para compensar as emissões de dióxido de carbono (CO2). O dinheiro é depois aplicado em projetos sustentáveis, como o desenvolvimento de autocarros movidos a hidrogénio, uma plataforma de mobilidade partilhada e novas rotas nos países em que o mercado ferroviário está a ser liberalizado, como Suécia ou França. Com a crescente preocupação mundial face aos efeitos nefastos das alterações climáticas, viajar por terra ganha novos passageiros,preocupados com a imensa pegada ecológica deixada pelos aviões.
A concorrência do carro particular
Sem outro remédio, tanto a Rede Nacional de Expressos como a CP têm vindo a adaptar-se ao mercado, com preços competitivos, campanhas de descontos e, por vezes, aumentando a oferta. Este ano, até dia 31 de agosto, viajaram nos comboios de longo curso da CP cerca de 4,3 milhões de passageiros (1,6 milhões no Alfa Pendular e 2,7 milhões no Intercidades), gerando receitas na ordem dos 74 milhões de euros. Estes números representam um crescimento de 4% em passageiros e 6% em receita, face ao mesmo período de 2018, e um “crescimento sustentado da procura” desde 2014, como afirma a diretora de comunicação institucional. Há seis anos que as estratégias comerciais da empresa passam por desenvolver campanhas de descontos nas viagens do Alfa Pendular e do Intercidades, válidos para todos os destinos destes comboios. Os Bilhetes Promo, cerca de 15 mil por semana, oferecem descontos entre 40% e 65% para compras antecipadas. São colocados à venda com 60 dias de antecedência em relação à data da viagem e esgotam-se, praticamente, todos os dias – muitas vezes, semanas antes da data prevista. As 18 ligações diárias no sentido Lisboa-Porto (36 no total), com tempos entre 2h42 e 3h07, também têm descontos para grupos, crianças e seniores.
A prática de “preços com dinâmica ao invés de preços dinâmicos e voláteis” na Rede Nacional de Expressos, como explica Miguel Coomans, diretor de marketing da empresa, permite fazer descontos nos bilhetes de ida e volta, nos que são comprados pela internet ou na aplicação, ou através do cartão de fidelização Rflex, em que uma viagem de Lisboa ao Porto pode custar dez euros. “Primamos por um serviço estável, de qualidade e com preços justos e variáveis consoante a fidelização, a sua frequência de viagem ou a sua antecipação de compra”, explica. No eixo Lisboa-Porto, com mais de 40 partidas diárias, há uma camioneta a sair praticamente a cada 30 minutos.
Voltando à Scotturb, que entra agora no longo curso, “o maior concorrente é o automóvel particular”, diz Nuno Oliveira. “Queremos criar alternativa no mercado para atrair mais pessoas a andarem de transporte público.”
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