Nas notícias vemos imagens de cidades na Índia cobertas por uma nuvem densa de gases poluentes e a forma como se tornou quase banal o uso de máscaras na rua, entre os seus habitantes. A vida tem de continuar e a verdade é que estes “alertas vermelhos” não são uma novidade para a população: os níveis de poluição são historicamente maus na Índia, que tem 7 das 10 cidades mais poluídas do mundo.
Esta semana,a situação evoluiu para níveis ainda mais preocupantes, aparentemente devido a grandes queimadas realizadas nas zonas rurais em torno das maiores cidades, mas a fonte constante de emissões poluentes no país também continua a crescer, de ano para ano (com destaque para a poluição provocada pelas indústrias e pelo trânsito).
A Índia, a China ou o Paquistão ficam longe de Portugal mas o planeta é apenas um e a poluição não conhece fronteiras, como comprovaram as investigações realizadas nos anos 70 às causas da “chuva ácida”. O que estava a destruir as florestas e a matar peixes em rios e lagos no Hemisfério Norte eram poluentes do ar que, na sua maioria, eram emitidos a milhares de quilómetros de distância. Estes estudos levaram à assinatura da Convenção do Ar (Convenção da Poluição Atmosférica Transfronteiriça a Longa Distância), há 40 anos, de que Portugal é signatário. Ao longo dos anos, o número de substâncias abrangidas foi gradualmente alargado, nomeadamente ao ozono troposférico, aos poluentes orgânicos persistentes, aos metais pesados e às partículas em suspensão, com o objetivo de controlar e reduzir os danos na saúde humana e no ambiente.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) monitoriza os valores da poluição atmosférica em todos os continentes e a Agência Europeia do Ambiente estipula os valores máximos permitidos nos Estados-membros da UE, podendo multar aqueles que ultrapassem os tetos definidos. Foi na sequência de um processo judicial, e da ameaça de aplicação de uma avultada multa à Câmara de Lisboa, que foram criadas, em 2011, as Zonas de Emissões Reduzidas (ZER) e realizadas profundas alterações no fluxo do trânsito no centro histórico da cidade – especialmente na Avenida da Liberdade, onde se registam os valores mais elevados de partículas em suspensão no nosso país.
Atualmente, os automóveis construídos antes de 2000 não podem circular na Baixa mas, segundo os dados da Agência Portuguesa do Ambiente, os níveis de poluição voltaram a subir entre 2016 e 2018, depois de terem baixado ligeiramente nos anos anteriores. Uma das explicações poderá estar na retoma económica, finda a intervenção da Troika, o que incentivou mais pessoas a voltarem a usar o carro nas deslocações para a cidade. Outra poderá ser a falta de fiscalização. Segundo uma investigação do jornal O Corvo, em 2016 e 2017 não foi aplicada nenhuma multa, o que poderá estar relacionado com o alargamento do perímetro das limitações realizado em 2015, dificultando a ação da polícia, mas também do sucessivo adiamento da instalação de um sistema de videovigilância que faria a monitorização, em tempo real, das matrículas em circulação. Esse equipamento começou por ser proibido pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, mas obteve autorização posterior. O mesmo sistema permitiria controlar a velocidade dos veículos e servir de apoio à vigilância das forças de segurança, mas acabou por nunca ser instalado.
Em 2017 foi proposto o alargamento da proibição de circulação a carros anteriores a 2005 mas as associações de comerciantes e de taxistas opuseram-se veementemente.
Os dados da Agência Europeia do Ambiente divulgados em 2018 indicam que na Avenida na Liberdade foram detetados valores de partículas superiores a 50 microgramas por metro cúbico, quando o limite máximo definido pela OMS é de 10 ug/m3, sendo permitido pela Comissão Europeia no máximo 18 vezes por ano até aos 40 ug/m3. Segundo Carla Martins, da associação ambientalista Zero, a Câmara de Lisboa não voltou ainda a ser processada porque “a Comissão Europeia analisa sobretudo papel”. Como as ZER entraram em vigor, em Bruxelas assumiu-se que o assunto ficaria resolvido.
Em 2018, o relatório anual da OMS sobre a qualidade do ar destacava pela negativa 15 cidades portuguesas (as cinco piores são Almada, Lisboa, Santiago do Cacém, Palmela e Estarreja), por nelas se ultrapassar o nível máximo aconselhado de partículas finas inaláveis, que entram nos pulmões e no sistema cardiovascular, causando derrames cerebrais, ataques de coração, obstruções pulmonares e infeções respiratórias graves, como a pneumonia, que é uma das principais causas de morte nas crianças com menos de cinco anos de idade. A poluição atmosférica é um fator de risco determinante para inúmeras doenças e está diretamente relacionada com 24% das mortes por doenças cardíacas, 25% das mortes por acidente vascular cerebral, 43% das mortes por obstrução das vias respiratórias e 29% das mortes por cancro de pulmão, tendo causado, em 2018, mais de 7 milhões de mortes prematuras.
Hoje, 9 em cada 10 pessoas respira ar poluído. “É o maior desafio de saúde pública a nível mundial”, pode ler-se no relatório da OMS. As crianças são o grupo mais vulnerável, o que levou a organização a lançar a campanha Breathe Life, alertando para o tanto que ainda está por fazer, de Nova Deli a Lisboa.
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