O oxigénio é essencial à vida, já sabemos. E o prémio Nobel em Medicina representa uma espécie de regresso à base, aos fundamentos da Fisiologia, ao premiar três cientistas – William G Kaelin, Peter Ratcliffe e Gregg L Semenza – que se dedicaram a estudar a forma como as células detetam e corrigem, quando necessário, os níveis de oxigénio.
Manter a concentração necessária, nem mais nem menos, tem implicações “desde o desenvolvimento do embrião no útero até ao crescimento de um tumor”, sublinha o investigador do Centro de Estudos de Doenças Crónicas da Faculdade de Medicina da Universidade Nova de Lisboa, Paulo Pereira, que se dedica ao estudo do mesmo processo molecular.
É nas estruturas celulares, de nome mitocôndrias, que os nutrientes ingeridos são transformados em energia, com o oxigénio como mediador do processo. Ao longo dos tempos, os organismos foram-se desenvolvendo formas de manter estável o fornecimento de oxigénio às células, tornando-se cada vez mais eficientes neste processo. Além de uma espécie de sensor ao nível das carótidas – controla o ritmo respiratório (que aumenta ou diminui face às necessidades de energia) – existe ainda um circuito mais fino. Este sistema leva à produção de mais ou menos eritropoietina (sim, aquela hormona usada como doping ou para tratar certos problemas de sangue), que faz aumentar a produção de glóbulos vermelhos, cuja função no sangue é precisamente transportar o oxigénio.
Os cientistas foram ainda mais longe e conseguiram descobrir o denominado fator indutor de hipóxia (HIF, da sigla em inglês), envolvido na regulação da concentração do gás dentro das células. Hipóxia é um estado de baixa concentração de oxigénio nos tecidos. Pode acontecer durante um AVC ou um enfarte e a capacidade de regeneração, após um destes episódios, está dependente do HIF. “Possibilita uma resposta ao decréscimo na concentração de O2”, explica Paulo Pereira. Por outro lado, uma falha neste sistema pode conduzir ao aparecimento de doenças como o cancro. “Na maior parte dos cancros há um núcleo em hipóxia. A deteção da falta de oxigénio pelo sensor acaba por levar à formação de novos vasos”, resume o investigador. Um processo semelhante ocorre na retinopatia diabética, que resulta de uma alteração dos vasos sanguíneos da retina. Este problema é potenciado pelo excesso de açúcar no sangue, de que sofrem os diabéticos, quando não se consegue manter a doença dentro dos parâmetros. “Descobrimos que altos níveis de glicose interferem com a regulação deste mecanismo de controlo da concentração de oxigénio celular e da formação de novos vasos sanguíneos”, explica o cientista português.
Ao jornal The Guardian, a cientista Bridget Lumb, da Sociedade de Fisiologia, sublinhou que “graças a esta investigação sabemos mais sobre a forma como os níveis de oxigénio têm impacto nos nossos corpos. Isto tem enormes implicações em tudo, desde a recuperação de uma lesão, à proteção de doenças e à melhoria no rendimento desportivo.”