Um currículo global e alinhado do 1º ao 12º ano que integre autonomia local de forma consciente e a valorização da profissão docente são duas das grandes propostas que um grupo de professores e especialistas nomeados pelo Ministério da Educação apresentou no relatório “Recomendações para a melhoria das aprendizagens dos alunos em Matemática”, divulgado na passada sexta feira pela Direção-Geral da Educação.
De acordo com a equipa coordenada por Jaime Carvalho e Silva, da Universidade de Coimbra, o ensino atual padece de várias fragilidades provocadas pela existência de “documentos curriculares nacionais díspares, que atualmente coexistem dirigidos ao ensino da matemática”. É necessário, por isso, uma revisão integral dos programas, para que o ensino da disciplina seja coerente e progressivo ao longo do três ciclos.
A VISÃO falou com a presidente da Associação de Professores de Matemática (APM), Lurdes Figueiral, que começou por dizer que “para quem trabalha no meio e conhece a realidade, as recomendações não constituíram propriamente uma surpresa, embora seja importante debate-las”. Muito do que se propõe no documento já acontece na prática em várias unidades de ensino, daí que “não se possa dizer que as medidas venham começar do zero”, refere Lurdes Figueiral. “Está em causa o facto de deixar de ser a exceção para passar a ser a regra” acrecenta.
Defender um currículo alinhado ao longo do percurso é, segundo a presidente, “uma forma coerente de integrar a autonomia local”. De facto, a segunda recomendação do relatório incide sobre a existência de dois níveis de decisão, o nacional e o local. Se por um lado, deve existir um tronco comum a nível nacional, pensado em ciclos (e não em anos de escolaridade) e que consista nas “orientações metodológicas a adotar, os recursos a usar e a avaliação a praticar”, por outro, o nível local corresponde ao “detalhamento e completamento do currículo nacional de Matemática atendendo às especificidades dos seus contextos”, de acordo com o relatório.
Mas a mensagem do documento não passa só por uma alteração currícular. A estabilidade das políticas curriculares é uma segunda área de recomendações do relatório. A presidente da APM reforça a importância de as equipas responsáveis pelas alterações currículares sejam constituídas por técnicos e especialistas e não evoluam à deriva “da vontade de uns e de outros”. Um visão que vai ao encontro do que é defendido no relatório, ou seja, que as mudanças “devem justificar-se por critérios de natureza técnico-científica”.
Os autores vão mais longe e propõem a “criação de uma entidade (…) que se responsabilize inteiramente pela regulação dos processos de mudança curricular”.
A terceira área de foco do relatório está relacionada com as avaliações. Segundo o grupo de trabalho, “as práticas de avaliação de desempenho dos alunos devem merecer uma atenção igual à que habitualmente é dada às práticas de ensino”. Pretende-se que os métodos de avaliação “sejam em prol do sucesso e não da retenção” e que a estruturação currícular em ciclos poderá ajudar nessa matéria.
Os últimos pontos apresentados no relatório, fundamentais na opinião de Lurdes Figueira, têm a ver com a formação dos professores. Segundo os autores, é essencial que haja valorização da profissão de docente, que sejam criadas mais condições para a formação académica dos mesmos, e que se invista em programas de formação contínua, principalmente na perspetiva do “trabalho colaborativo entre pares”.
Este relatório constitui a primeira fase de um processo de elaboração de recomendações para o ensino da matemática. Nos próximos meses o grupo de trabalho que realizou o documento irá discuti-lo com várias instâncias relevantes na área e, por fim, elaborar um relatório final.