Nos últimos dias, foram vários os estrangeiros transportados na tchopela verde de Joaquim Alberto. Quase mil trabalhadores humanitários estão a atuar no centro de Moçambique e também são muitos os jornalistas a cobrir a devastação causada pelo ciclone Idai vindos de outros países.
É com um sorriso aberto que o motorista recebe mais um par deles. “Vieram ajudar-nos? Ainda bem que estão cá porque quando nós fazemos algum trabalho parece que não somos… confiáveis.” A frase soa equívoca, Joaquim Alberto tem de se explicar melhor: “Não somos confiáveis por causa da corrupção.”
Desde 2016, Moçambique caiu catorze lugares no Índice de Perceção da Corrupção, elaborado pela organização Transparência Internacional. De acordo com os dados do ano passado, ocupa, agora, a posição 158 numa lista com 183 países.
“Parece que têm fome na barriga e fome na cabeça!”, critica o moçambicano, acusando os governantes de falta de inteligência.
O destino da viagem é Macurungo, a cerca de dez quilómetros do centro da cidade da Beira. Joaquim Alberto sabe o caminho de olhos fechados – afinal, vive precisamente nesse bairro – mas prefere não ouvir música enquanto conduz. “Não é bom para a concentração”, defende.
Sem música, o seu discurso é a banda-sonora. Também ele foi afetado pelo temporal de 15 de março. As chapas de zinco do telhado voaram e os vidros das janelas ficaram estilhaçados. “Estamos a trabalhar para repor tudo, mas é complicado”, diz. “Ainda por cima a Beira é da oposição, o que só torna tudo mais difícil”, nota-se o orgulho rebelde na voz.
Em 2008, inaugurava-se na Beira a primeira estátua em homenagem a uma personalidade da Renamo, o ex-líder André Matsanguissa, morto em combate no ano de 1979.
Atualmente, o presidente da Câmara da Beira é Daviz Simango, eleito pelo Movimento Democrático de Moçambique, que resulta da dissidência de alguns membros da Renamo. O autarca acusou o Governo moçambicano, liderado pela FRELIMO desde a independência, de não estar a canalizar a ajuda internacional para a Beira e denunciou o que considera ser a falta de preparação do exército para ajudar nos trabalhos de recuperação.
As acusações de desvio de donativos levaram o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) a mostrar-se disponível para incluir o setor privado e as organizações não governamentais no processo de assistência humanitária.
Joaquim Alberto sente que a maioria da população apoia o presidente da câmara da Cidade da Beira, Daviz Simango. Apesar de algumas desilusões, o motorista também diz “estar com o certo”.
Mas os políticos não lhe merecem grande estima. “Basta ver as mansões deles e as nossas casas”, compara. “Eles vendem a machamba [terreno agrícola] do povo por milhões e o povo continua na miséria.”
Joaquim Alberto consegue ganhar um ordenado mensal de 4800 meticais (€67) a “fazer a tchopelinha” de um lado para o outro da cidade. Mas o aumento dos preços provocado pela catástrofe tornou o salário ainda mais curto. A energia está a custar-lhe 1000 meticais e a água 800, por mês, já para não falar na comida.
Permanentemente sujeito a operações de fiscalização, a polícia de trânsito também tem potencial para agravar as finanças: “Há muita corrupção e estão sempre a tentar aproveitar-se para tirar algum. São um grande obstáculo”, lamenta-se.
Tem dois filhos rapazes de 12 e 6 anos. Por enquanto, só o mais velho anda a estudar. “A escola pública não é boa porque os professores estão desmotivados. O Estado paga-lhes mal e não tem como o professor estar bem quando vai dar aulas sem mata-bichar [comer].”
Gostava de ganhar dinheiro suficiente para pôr o filho mais novo numa escola privada. A mulher acabou agora o 12º ano e talvez continue a estudar para conseguir um melhor emprego. “Planos para mais filhos não temos porque não dá mesmo”, anuncia.
Joaquim Alberto perdeu os pais quando tinha a idade do seu filho mais velho, 12 anos, e foi criado pela irmã mais velha, que sempre sustentou a família a vender carvão. A história familiar é interrompida com a chegada ao destino.
“É bom trabalhar no terreno porque as pessoas que precisam estão aqui, não estão nos gabinetes. Sintam o sofrimento das pessoas. Isso é muito importante”, aconselha à despedida. E arranca em direção a novas histórias.