Uma chapa de zinco serve de penso rápido ao muro que resguarda a moradia de dois andares onde vivem Adelaide Moreira e João Pedro Miranda. No rés-do-chão, funciona o restaurante Tugas, onde é possível comer bacalhau com natas, bife à portuguesa ou francesinha, entre outras especialidades.
Em 2014, Adelaide Moreira, 53 anos, viajou com os irmãos até à Beira. A certeza foi quase imediata: era naquela cidade moçambicana que queria recomeçar a sua vida. Divorciada e desempregada, decidiu deixar Vila Nova de Famalicão para trás e investir as economias na montagem do restaurante.
Apesar de ter sentido uma grande quebra de movimento nos primeiros dias após o ciclone Idai ter atingido o centro de Moçambique, o negócio já regressou ao normal. A clientela habitual é de classe média alta. Ao cair da noite, a esplanada tem sido tomada por funcionários humanitários que vieram prestar apoio às vítimas da tempestade – as Nações Unidas estimam que 1,8 milhões de pessoas continuem a precisar de ajuda urgente.
Vários restaurantes foram alvo de tentativas de assalto. “São dos poucos sítios onde há comida em abundância”, justifica Adelaide Moreira, que se viu obrigada a reforçar a vigilância. Devido à insegurança, alguns dos seus funcionários recusam-se a trabalhar até tarde por causa da falta de eletricidade em diversas zonas da cidade.
O marido, João Pedro Miranda, ainda não parou desde a calamidade. É especialista em reparação de geradores e automação industrial e, tendo em conta os estragos, não tem mãos a medir. Sai de casa com o nascer do sol.
![moçambique](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/10/14153274mo%C3%A7ambique.jpeg)
Luís Barra
A noite do temporal, que se prolongou pela madrugada de dia 15 de março, foi de nervos. Entre os cerca de 2 mil portugueses que vivem na Beira, várias dezenas perderam as suas casas. Mas Adelaide Moreira sabe que está entre os privilegiados – tombou um muro, partiram-se alguns vidros e caiu a árvore que dava sombra à esplanada. Os verdadeiros sobreviventes são os residentes das mais de 90 mil habitações parcial ou totalmente destruídas ou os familiares e amigos das 598 vítimas mortais contabilizadas até agora, só em Moçambique.
Só se arrepende de não ter conseguido convencer Florinda Maia, 55 anos, a dormir em sua casa na noite do ciclone. “Fomos muito teimosas e não quisemos ficar uma com a outra”, lamenta.
O marido de Adelaide Moreira estava numa viagem de trabalho, no Chimoio, e o da amiga em Portugal, pelo mesmo motivo.
Sozinha na sua casa à beira-mar, Florinda Maia ainda tentou desvalorizar o vento que começou por volta das sete da tarde de dia 14, mas rapidamente se tornou impossível. Partiram-se os vidros das janelas, voaram os caixilhos e a mobília começou a flutuar. A água dentro de sua casa chegou aos 1,20 metros. O pânico levou Florinda Maia a esconder-se dentro de um guarda-fatos. “Foi um filme de terror que eu ali vivi”, conta, ainda com dificuldade.
Ficou incontactável – todos os meios de comunicação deixaram de funcionar nas horas seguintes à tempestade. E, quando o marido entrou no avião, em Portugal, não sabia qual o cenário que iria encontrar no regresso a casa. Mas Florinda Maia já estava a salvo em casa da amiga. A empresária também sofreu prejuízos nos armazéns das suas lojas de decoração, têxteis-lar e mobiliário de luxo. Alguns deles ficaram totalmente destruídos com a mercadoria lá dentro.
Na sequência da tempestade, a filha do casal, Sofia Maia, 30 anos, viajou até à Beira. No regresso, levou a mãe a passar uma temporada no Porto, onde vive. Florinda Maia confessa que não faz ideia de quanto tempo vai permanecer em Portugal. Mas sabe do que poderá vir a ter saudades primeiro: “Adoro o povo moçambicano. São espetaculares.”
ASSINE AQUI A VISÃO E RECEBA UM SACO DE OFERTA
![banner rap](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/10/14029796banner-rap.jpeg)