Joaquina Ferrão parece cativa na sua própria casa, no bairro de Macuti, na cidade da Beira. Está tranquilamente sentada na varanda, mas o pátio frontal da moradia de piso térreo foi transformado num gigantesco lago.
É irresistível espreitar para lá dos muros que separam o terreno alagado da estrada, onde circulam automóveis e pessoas no seu habitual ritmo quotidiano. Joaquina Ferrão parece habituada à curiosidade que a sua casa-ilha desperta. Aparentemente, é impossível lá chegar sem galochas ou uma jangada, mas a jovem de 28 anos gesticula e indica uma entrada nas traseiras, por terreno relativamente seco.
Quando lá chegamos, Joaquina Ferrão está de sorriso aberto e nem hesita em convidar-nos para entrar em sua casa. Já terá repetido a sua história várias vezes e antecipa as perguntas: “A minha casa não tinha água nenhuma à volta. Nenhuma. Agora, é uma ilha.”
Apesar do terreno inundado, a água ficou-se pelos degraus da entrada e não invadiu o interior da casa. Teve algumas infiltrações no telhado e partiram-se alguns vidros das janelas na noite em que o ciclone Idai devastou o centro de Moçambique. Joaquina Ferrão sente que teve muita sorte. Vive sozinha com a mãe, Júlia do Rosário, com 69 anos. O pai morreu no ano passado.
Já se habitou às águas paradas – um perigoso viveiro de mosquitos – a sua principal preocupação é a falta de eletricidade. “Garantiram-nos que voltava ontem, mas não…”, lamenta.
Há velas em vários cantos de sua casa e, para cozinhar, tem usado gás. Os irmãos que vivem em Maputo e em Nampula enviaram-lhe algum dinheiro para ajudar a contrariar as dificuldades.
Estudante de Direito na Universidade Católica, deixou o emprego na área da logística para se concentrar no último ano do curso. “Assim dá para me dedicar mais”, justifica.
Quer ser procuradora do Ministério Público moçambicano na área da família. “Ainda há muitos pais que abandonam os filhos e deixam as mães a passarem muitas dificuldades. É preciso alguém que as defenda”, afirma.
Tem um trabalho de faculdade para entregar no final da semana, mas alimenta a esperança de o professor adiar o prazo. Vai pedindo a quem tem eletricidade para lhe carregar a bateria do computador para que possa estudar à noite.
Na varanda da sua “ilha” há livros e sebentas da faculdade espalhadas. Confessa que na noite do temporal chegou a pensar que “era o fim do mundo” mas, agora, a sua confiança no futuro é inabalável: “A minha geração vai provar que é possível um país melhor”.