Rui Pinto assume-se “nervoso” com a exposição mediática a que tem sido sujeito nos últimos meses e que lhe encheu a conta de Facebook e a caixa de email de ameaças de morte, a ponto de temer pela vida se um dia vier a ser condenado em Portugal a uma pena de prisão efetiva.
“Estou nervoso porque sou um alvo, sobretudo para os adeptos do Benfica. Desde o outono, estou a receber massivas ameaças de morte no Facebook. Já as mostrei às autoridades francesas, quando me encontrei com elas [em dezembro, em Paris]. Disseram-me que deviam ser levadas muito a sério. Se entrar numa prisão portuguesa, sobretudo em Lisboa, tenho medo de não sair de lá vivo”, afirma, em entrevista à Der Spiegel, que estará amanhã nas bancas e foi esta sexta-feira disponibilizada na edição online da revista alemã .
A aguardar em prisão domiciliária, em Budapeste, na Hungria, onde está emigrado há vários anos, a decisão sobre o pedido de extradição feito por Portugal, Rui Pinto diz não confiar plenamente na Justiça portuguesa, por causa dos tentáculos do futebol.
“Estou convicto de que não terei um julgamento justo em Portugal. O sistema judiciário português não é inteiramente independente; enfrentamos muitos interesses escondidos e encobertos. Claro que também há procuradores e juízes sérios, mas a máfia do futebol está em toda a parte. E quer passar a mensagem de que ninguém deve comprar uma guerra com ela”.
O mentor do Football Leaks, a plataforma online que desde 2016 tem divulgado informação privada sobre os meandros do futebol, nega qualquer ligação às denúncias sobre o Benfica – “Não li qualquer declaração das autoridades portuguesas que estabeleça uma relação entre mim e o escândalo do Benfica”, sublinha – e diz-se disponível para esclarecer, na Justiça, as acusações que lhe são feitas no âmbito do mandado de detenção europeu: cibercrime por publicação de emails confidenciais do Sporting e tentativa de extorsão à Doyen, um fundo que detém os direitos económicos de vários futebolistas. Sobre esta última, com quem um seu advogado chegou a encontrar-se para negociar uma contrapartida financeira de modo a que os ficheiros não fossem revelados, refere: “Só queria saber o valor da informação e a importância que a Doyen lhe dava. Nunca tive intenção de receber o dinheiro, só queria expor a Doyen (…) Nem um cêntimo foi pago. Fui muito ingénuo, arrependo-me. Mas não cometi nenhum crime.”
Rui Pinto adianta à Der Spiegel que as autoridades húngaras lhe confiscaram uma dezena de discos rígidos com dez terabytes de dados, dos quais seis ainda não foram divulgados. Diz que outras pessoas também recolheram informações para o Football Leaks, mas não diz quantas nem se existem cópias dos documentos (só à Der Spiegel já disponibilizou 70 milhões). O seu advogado está em contacto com procuradores belgas e suíços, no sentido de abrirem investigações sobre atividades ilícitas expostas, enquanto as francesas já estão numa fase mais adiantada. Depois de o Football Leaks ter revelado documentos sobre o caso que envolve Cristiano Ronaldo – “O meu jogador preferido”, diz Rui Pinto – e Kathryn Mayorga, a mulher que acusa o madeirense de a ter violado em Las Vegas, também os investigadores norte-americanos o procuraram para recolher informações. No entanto, o hacker – que nega o rótulo e prefere ver-se como “um cidadão que agiu em nome do interesse público” -, apenas confirma que foi contactado, recusando-se a entrar em detalhes.
Quando questionado sobre se recebeu algum dinheiro em troca de informações, responde com um rotundo “não, nunca”. E acrescenta que rejeitou uma “oferta anónima de mais de meio milhão de euros”. Também não está interessado em ser comparado a Julian Assange ou Edward Snowden, talvez os dois denunciantes mais mediáticos dos últimos anos. “Nunca fiz isto por ego. Não preciso desta atenção. Nunca quis ser o maior denunciante do mundo, apenas quis denunciar o mais possível o que está mal. Os denunciantes só existem porque existem inúmeras práticas à margem da lei”, argumenta este português de 30 anos, que não vê qualquer ilegalidade nas suas ações: “Nunca senti isso. Ao longo dos anos, o Parlamento Europeu, a comunicação social e muitas autoridades analisaram as minhas informações. Estou convencido de que agi corretamente.”