Seis em cada dez crianças do Agrupamento de Escolas D. Filipa de Lencastre, em Lisboa, apresentam níveis de iodo abaixo dos padrões recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A incidência é maior nas meninas, por razões desconhecidas, e nas crianças mais velhas, que revelaram hábitos menos frequentes de consumo de leite, um dos alimentos mais ricos neste micronutriente essencial para o desenvolvimento cognitivo.
Estas conclusões preliminares de uma investigação em curso acentuam os resultados de outra realizada em 2016, em 84 escolas do Norte do País, onde 32% das 2 018 crianças avaliadas revelaram ter insuficiência de iodo. Dois anos depois, o panorama em Lisboa, embora com uma amostra mais reduzida de 533 crianças, dos 6 aos 12 anos, quase duplica, em proporção, o número de casos com níveis inadequados (59,1%).
“Temos uma deficiência de iodo de ligeira a moderada, em Portugal, sem uma doença grave associada e, por isso, há tanta inércia. No entanto, convinha existir alguma ação política; não vamos desistir”, garante Conceição Calhau, professora de Nutrição e Metabolismo na Nova Medical School, da Faculdade de Ciências Médicas, da Universidade de Lisboa, e investigadora principal em ambos os estudos.
O défice de iodo é mais preocupante na gravidez – desde 2013 que a Direção-Geral de Saúde, em linha com a OMS, recomenda a suplementação, desde a pré-conceção até ao fim da amamentação, salvaguardando, assim, o desenvolvimento neurológico do bebé –, mas também é prejudicial nos primeiros anos de vida, uma vez que o cérebro continua a desenvolver-se.
Vários estudos indicam a diminuição do QI, entre 8 e 15 pontos, como possível consequência, pelo que a OMS alerta para a “redução da capacidade intelectual em casa, na escola e no trabalho”. Ler ou interpretar, por exemplo, podem tornar-se tarefas mais difíceis de executar.
Em 2016, na sequência do seu primeiro estudo em escolas nortenhas, Conceição Calhau foi à Assembleia da República defender, em vão, a obrigatoriedade de uso de sal iodado no consumo doméstico – uma solução adotada em muitos países, ao longo dos últimos 100 anos, para se colmatar o défice de iodo nas populações, incluindo em Portugal na década de 70. Não satisfeita com a falta de respostas para combater o problema identificado a norte, numa pesquisa financiada a nível europeu em mais de 400 mil euros, a investigadora decidiu estudar o fenómeno na capital, sem qualquer tipo de financiamento e com uma equipa mais pequena. A ideia, desta vez, passa por fazer uma segunda avaliação dos níveis de iodo, após um ano de uso exclusivo de sal iodado na confeção das refeições escolares.

Conceição Calhau – Basta substituir o sal normal pelo sal iodado, no dia a dia, para resolver o problema, alerta a nutricionista
Marcos Borga
Solução à mão de semear
Desde 2013 que este tipo de sal está expressamente autorizado nas cantinas pela Direção-Geral de Educação (DGE), mas Conceição Calhau constatou, em 2016, que nenhuma das 84 escolas avaliadas o utilizava. No Agrupamento D. Filipa de Lencastre, lê-se no relatório preliminar, também houve constrangimentos ao nível da introdução do sal iodado, por resistência da empresa fornecedora das refeições e das próprias cozinheiras. “Há um desconhecimento generalizado sobre o que é o sal iodado. Nas ações de sensibilização, temos pais a perguntarem-nos se é na farmácia que podem comprá-lo”, relata a também coordenadora do curso de Nutrição da Nova Medical School.
Vendido nos supermercados, o sal iodado é idêntico ao sal normal, mas fortificado com iodeto de potássio, respondendo assim às necessidades de iodo, um micronutriente que ativa as hormonas da tiroide, responsáveis pelo desenvolvimento cerebral e pela regulação do metabolismo do organismo. Nas novas Orientações sobre Ementas e Refeitórios Escolares para este ano letivo de 2018-2019, a DGE reformulou o texto relativo ao sal iodado, de forma a não deixar dúvidas: “O sal, a ser utilizado, terá de ser, obrigatoriamente, sal iodado.” À falta de campanhas de sensibilização, porque a prioridade em Portugal é reduzir o consumo excessivo de sal, qualquer que seja, este não deixa de ser um pequeno passo numa nova direção.
“O iodo é a gasolina para a tiroide funcionar. Com ou sem doença da tiroide diagnosticada, há uma enorme margem de segurança para se consumir sal iodado”, explica o endocrinologista do Hospital das Forças Armadas, João Jácome de Castro, representante de Portugal no consórcio EUthyroid, um projeto da União Europeia que envolve especialistas de 27 países, e na Rede Global de Iodo, uma organização não governamental, que colabora com a OMS no propósito de erradicar a deficiência de iodo no mundo.
Em abril, o EUthyroid estimou que “até 50% dos bebés europeus” são expostos a algum grau de deficiência de iodo, sublinhando, num documento conjunto designado “Declaração de Cracóvia”, a “crescente preocupação” pela ausência de estratégias de saúde pública para estudar e combater o problema. Apenas oito países da União Europeia monitorizam, regularmente, os níveis de iodo da população, e Portugal não é um deles. O último estudo em mulheres grávidas, publicado no início da década, revelou que 83% se encontravam abaixo dos valores normais, segundo os padrões da OMS. Jácome de Castro, um seus dos autores, diz que pretende repeti-lo em 2019.
Em casos mais graves, a deficiência de iodo pode provocar bócio, nódulos na tiroide e hipertiroidismo na população adulta. Sendo o iodo um micronutriente essencial que o organismo não produz naturalmente, muitas vezes a alimentação não chega para cobrir as necessidades. O peixe e o marisco são as principais fontes, mais do que o leite e seus derivados, mas viver junto ao mar não é sinónimo de uma população rica em iodo. Em Portugal, os dados existentes apontam os Açores e a Madeira como regiões cujas populações mais carecem desse nutriente. Frequentar praias ricas em iodo também não é suficiente, uma vez que a quantidade absorvida pela organismo é residual.
Onde encontrá-lo
São estes os alimentos mais ricos em iodo e a quantidade que seria preciso ingerir para se atingir a dose diária recomendada pela Organização Mundial de Saúde
– Peixe 60 gramas de bacalhau
– Leite 2 copos (300 mililitros)
– Ovos Seis
– Queijo 500 gramas
– Sal iodado 1 oitavo de uma colher de chá