Quatro anos depois de trocar os incêndios portugueses pelos australianos, para fazer o tipo de prevenção que não conseguia fazer no seu País, Pedro Palheiro regressou a casa durante alguns dias para partilhar o que de melhor se faz no país-continente. Numa iniciativa do Instituto Superior de Agronomia e da Estrutura de Missão para a Instalação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, o especialista em incêndios, que em Portugal pertenceu ao Grupo de Análise e Uso de Fogo, mostrou ontem, 17, numa conferência em Lisboa, como se lida com o problema nos antípodas. Em entrevista à VISÃO, deixa algumas dicas e tenta desfazer ideias feitas. Uma deles é o eucalipto como causa maior de todos os problemas. Outra é a forma como combatemos os fogos florestais quase exclusivamente com mangueiras apontadas às chamas. “Estamos demasiado dependentes da água.”
O que estamos a fazer de mal? O que temos a aprender com a forma como a Austrália lida com os fogos?
Não quero dizer o que Portugal está a fazer de mal. O objetivo de estarmos aqui é trocar experiências, para os dois países verem como cada um lida com o fogo. Na nossa participação, focámo-nos muito em mostrar na utilização de máquinas de rasto para minimizar o risco de reacendimentos. Talvez aí existam algumas diferenças entre os dois sistemas, o australiano e o português.
Na Austrália, usa-se muito o fogo controlado, como meio de prevenção, coisa que em Portugal…
Sim, o fogo controlado é usado por lá como uma das ferramentas mais importantes para mitigar o problema dos incêndios. Sem gerir a vegetação não conseguimos ter mão nos incêndios. E o fogo controlado, para nós, pelas características do terreno que temos, o tipo de propriedade, é das ferramentas mais adequadas.
Funcionaria em Portugal?
O fogo controlado sempre foi utilizado aqui em Portugal à escala que o País lhe permite. Talvez tenha abrandado nos últimos anos, mas seguramente que o conhecimento técnico está cá e só tem de ser devidamente aproveitado para voltar a haver um programa saudável de fogo controlado que faça a diferença.
Na sua apresentação, foi mostrado um gráfico que parecia indicar uma relação inversa entre a utilização de fogo controlado e a área ardida. Quando o investimento em fogo preventivo baixava, cresciam os incêndios, e vice-versa.
Sim, é verdade. Mas, devido ao tipo de propriedade que existe aqui no País, as ações de fogo controlado têm de ser muito estratégicas. Não é possível fazê-lo em larga escala porque estamos a falar de propriedades privadas e compartimentadas. No oeste australiano, temos esta vantagem de a maioria da propriedade ser gerida pelo governo, pelo que a escala é mais alargada.
Em Portugal, o fogo é combatido quase exclusivamente com água. Não é esse um método desajustado, face aos conhecimentos mais recentes e ao que se está a fazer no estrangeiro?
A roda já está inventada há muito. Nós começámos aqui em Portugal a combater muito à base de ferramentas manuais e depois houve uma tendência natural de evolução, com mais tecnologia nas viaturas, etc, para a utilização da água. E neste momento estamos a trabalhar num sistema muito dependente da água. No oeste australiano, não temos esta capacidade, uma vez que a água não está tão disponível como aqui. Mas também porque sem fazer uma faixa de solo mineral à volta do incêndio não se consegue evitar o risco de reacendimentos, que em Portugal é uma das principais fontes de ignição.
Estamos demasiado dependentes da água?
Sim. Estamos demasiado dependentes da água. Temos de reavivar o conhecimento utilizado noutros tempos, em termos de utilização de ferramentas manuais e tirar muito partido das máquinas de rasto, que são fabulosas para garantir a consolidação do perímetro dos incêndios.
O eucalipto é visto por grande parte do público como a má da fita dos incêndios em Portugal. Como é que tem seguido esse debate, da Austrália?
É uma discussão muito interessante. O eucalipto, tal como todas as espécies, sejam sobreiros, seja o que for que exista aqui, desde que a vegetação do subcoberto [matos] não seja gerida, o comportamento do fogo vai estar sempre fora do nosso alcance.
Independentemente da espécie?
Sim. Como é óbvio, há espécies que, pela característica das folhas, podem arder de forma ligeiramente diferente. Os eucaliptais bem geridos salvaram-se do fogo e estão perfeitamente verdes, o que mostra que haja gestão em subcoberto nestas áreas para que o comportamento do fogo seja completamente diferente.
Na Austrália, o combate e a prevenção do fogo estão nas mãos das mesmas pessoas?
Sim. Nós fazemos prevenção e combate a incêndio.
É essa a forma ideal de encarar o problema?
O facto de termos as pessoas que fazem a prevenção ligadas ao combate ajuda muito, porque essas mesmas pessoas conhecem os sítios onde foi feita prevenção. Há, portanto, um conhecimento interligado. Além disso, esses fogos controlados de inverno são uma excelente forma de formar e treinar quem depois, no verão, combate os incêndios.
O fogo controlado é muito caro?
Depende da área tratada. Mas seria muito interessante comparar com o custo associado aos incêndios. Veríamos que o custo do fogo controlado é muito mais baixo, e ainda tornaria muito mais barato o combate e bloquearia o crescimento dos incêndios em zonas estratégicas, evitando que atinjam tamanhos extremos, como temos visto.