Como reagiria se recebesse um convite para se iniciar na corrida de obstáculos mais desafiadora do mundo? Não sendo um dos protagonistas da série épica A Guerra dos Tronos nem tendo passado pela ameaça de invasão nazi, que levou o comandante britânico Winston Churchill a prometer “sangue, suor e lágrimas”, é possível que temesse o pior e descartasse a proposta -ou se entusiasmasse de tal forma ao ponto de aderir sem pensar duas vezes. Basta espreitar as fotos e os vídeos disponíveis online para perceber que esta é uma indústria de desafios de aventura que pressupõe o teste de capacidades em ambientes adversos, com espírito de equipa e muita adrenalina à mistura.
O que leva milhares de praticantes, profissionais e amadores, a aventurarem-se por longos trajetos acidentados, com fossos e elevações consideráveis, a carregarem troncos pesados, a rastejarem por zonas com arame farpado, a escalarem muros com três metros de altura ou a passarem por cima de brasas? O que faz com que tantos se sintam atraídos pelo lema “sem desculpas, sem atalhos”, se atrevam a sair da zona de conforto e a testar limites como se estivessem num campo de batalha? A Spartan Race, ou a corrida espartana, inspira-se nos treinos dos soldados da Grécia Antiga, apostados em desenvolver e aperfeiçoar a força, a resistência, a agilidade e a determinação para vencer, valências tão ou mais importantes do que a rapidez ou a velocidade e que continuam a marcar as mensagens de estadistas em tempos de guerra.
Esta prática desportiva de competição que requer disciplina e perseverança tem vindo a conquistar um estatuto de culto e tempo de antena em programas televisivos (por cá, podemos acompanhar as provas na SIC Radical). A presença de adeptos famosos da cantora Alicia Keys ao ex-ciclista profissional Lance Armstrong, passando pelo homem forte da Virgin, Richard Branson também contribuiu para essa popularidade. Hoje, tem lugar em várias dezenas de países e conta até com premiados portugueses. Tiago Lousa, oficial na Unidade Especial da PSP e atleta com mais de 15 provas no currículo nos campeonatos do Mundo e da Europa, sagrou-se campeão há três anos, em Madrid, onde estiveram mais de 12 mil participantes. Agora é tempo de se preparar para a prova de 13 e 14 de outubro, em Barcelona. Ele e mais quatro a cinco dezenas de portugueses, parte destes inscrita na modalidade Beast, a mais dura de todas. “Faço-o pela competição em si, sem ficar obcecado com os resultados”, afirma. Porém, é o primeiro a reconhecer que “há pessoas cujas vidas mudam para melhor, depois de se dedicarem a esta prática desportiva”. Tiago concilia as suas funções profissionais com o treino pessoal e acompanha atletas no espaço de crossfit que gere, no concelho de Oeiras. O próximo passo é trazer a Spartan para o nosso país num futuro próximo.
“O teu maior inimigo és tu”
O verdadeiro desfrute da experiência pode resumir-se a um teste de vontade, acessível a qualquer pessoa, até mesmo com deficiência física. Assim pensa o empresário norte-americano Joe De Sena, que se debatia com problemas de peso e começou por subir e descer as escadas do seu prédio, na tentativa de reverter o processo. Não imaginava então que viria a tornar-se um maratonista e a participar em provas de monta, como o Ironman. Seria uma questão de tempo até fundar a Spartan Race, em 2009, angariar investidores, expandir o conceito e desenvolver campeonatos à escala mundial, sobretudo depois de ter o patrocínio da marca Reebok, há cinco anos.
O atrativo da Spartan Race e de outras corridas de obstáculos similares está na possibilidade de alcançar perícia física e mental ao nível da desempenhada por tropas de elite, o que vai ao encontro de temas tão ancestrais como este: sem vitória não há sobrevivência, e sobreviver implica cooperar, sobretudo no início, quando os medos e os primeiros fracassos e mazelas ativam os fantasmas mentais e comprometem a motivação. O segredo é manter o ritmo constante em condições inóspitas, cair, levantar-se e, progressivamente, ganhar robustez, que parece bem evidente no nível mais duro da Spartan, como se lê no site: “Se procuras libertar a tua besta interna e ir a lugares que nunca imaginaste, a Spartan Beast é perfeita para ti.”
Maria Antónia Saldanha, 43 anos, diretora de marca e comunicação da SIBS, faz parte do grupo de portugueses que vai estar em Barcelona e explica como entrou neste desafio pessoal, após ter descoberto a Spartan, enquanto fazia zapping: “Quando vi que havia provas abertas sem o grau de exigência imposto aos atletas, avancei.” Vai com duas amigas e sete amigos e sabe que o desafio é, acima de tudo, psicológico: “Digo isso por passar pela capacidade de acreditar que temos mais forças do que julgamos, principalmente em face de situações que tememos”, acrescenta. Ela, que apenas frequentou alguns anos de ballet e, já adulta, descobriu os encantos do treino funcional vai para cinco anos, dedica-se a 45 minutos diários de corrida e não descura a alimentação equilibrada.
A menos de dois meses e meio da prova, todo o tempo livre é pouco para os exercícios adicionais com obstáculos, num armazém nos arredores de Lisboa. As dores, as nódoas negras, os arranhões e o cansaço físico fazem parte. Ao longo das cinco horas que estima levar a “percorrer 20 quilómetros, com altimetria acumulada de 2 500 metros”, Maria Antónia vai ter presente uma coisa: “Quando o cérebro diz que não consegue, é nessa altura que é preciso superar-nos e dizer que somos capazes.”
Dureza que recompensa
O que precisa de saber sobre a Spartan Race
1 – O que é Competição com desafios físicos, táticos e mentais, baseados em exercícios de treino em equipa
2 – Modalidades Sprint cerca de 5 km e 20 obstáculos, 1 hora. Super 12 km e 25 obstáculos, 2 horas. Beast 20 km e 30 obstáculos, 3 a 5 horas. Ultra Beast 42 km, 10 a 20 horas
3 – Requisitos Ter 16 anos ou mais, alguma preparação física, equipamento desportivo simples, vontade e gosto por desafios
4 – Como começa Partida por grupos (até 150 pessoas), com intervalos de 15 minutos entre cada um
5 – Obstáculos Muros, cordas, argolas, barras, arame farpado, piso acidentado, íngreme, lamacento, com fossas e transporte de cargas (troncos, pedras, correntes, baldes com areia, etc.)
6 – Penalidade Se não cumprir uma prova de obstáculo, vai “ao castigo”: 30 burpees antes de prosseguir 7 Prémio Conclusão das provas Sprint, Super e Beast num ano dá direito à medalha Trifecta. Os três primeiros lugares acedem ao pódio e os dez primeiros à qualificação para o Campeonato da Europa