Todos nós sabemos o quanto nos sentimos bem na Natureza. E já o sabemos há séculos. Os sons da floresta, o aroma das árvores, a luz do sol através das folhas, a frescura, o ar puro – estas coisas dão-nos uma enorme sensação de bem-estar. Reduzem a nossa ansiedade, ajudam-nos a relaxar e a pensar melhor. Andar na Natureza pode deixar-nos como novos, devolver-nos energia e vitalidade, rejuvenescer-nos.” Assim começa um texto de opinião publicado no início de maio na revista Time. Para que não haja equívocos, o autor, Qing Li, faz questão de explicar que “não é poeta”. Este médico imunologista, de 55 anos, é o diretor da Sociedade Japonesa de Medicina Florestal e uma das sumidades mundiais em shinrin-yoku – expressão nipónica que significa banho (shinrin) e floresta (yoku). Ou seja: trata-se de um cientista que investiga há mais de duas décadas os efeitos benéficos de deambular tranquilamente pelos bosques como forma de combater aquilo que ele próprio considera ser a epidemia do século XXI, o stresse.
No Japão, há razões de sobra para justificar a importância desta terapia reconhecida pelo Sistema Nacional de Saúde do país: é uma das formas mais eficazes de lidar com o karoshi, o fenómeno conhecido como “morte por excesso de trabalho”, responsável por cerca de dez mil vítimas anuais, no arquipélago. Em 1982, o governo de Tóquio decidiu que era urgente fazer algo e, desde então, têm-se multiplicado os estudos para se compreender e minimizar o problema.
Já depois de concluir o doutoramento e de passar uma temporada na universidade californiana de Stanford, Qing Li criou a disciplina de Medicina Imunitária do Meio Ambiente e nunca mais parou. As suas conclusões parecem óbvias: “As árvores ajudam-nos a ser mais saudáveis e felizes”, frase que funciona também como subtítulo do seu mais recente livro, um bestseller global já com edição portuguesa (Nascente, 20/20 Editora).
Os bosques da felicidade
Em 1984, um grupo de investigadores da Universidade Técnica Chalmers, em Gotemburgo, na Suécia, tinha já demonstrado que doentes colocados junto a uma janela para o exterior recuperavam melhor e mais depressa das respetivas intervenções cirúrgicas do que os outros confinados a quatro paredes.
Qing Li foi muito mais longe e tem sido capaz de provar que os passeios pela floresta reduzem a tensão arterial e os níveis de açúcar no sangue, melhoram a saúde cardiovascular e até ajudam de forma significativa a concentração e a memória. Graças às suas experiências, conseguiu ainda revelar que existe um nexo de causalidade entre shinrin-yoku e a prevenção do cancro, além de ter igualmente descoberto que a taxa de mortalidade nas áreas urbanas é bem mais alta do que nas zonas densamente arborizadas. “Há ainda muito por investigar, mas segundo um estudo da Universidade Mie, no Japão, a fragrância cítrica da fitoncida D-limoneno – substâncias segregadas pelas árvores para se defenderem de insetos, fungos e bactérias – é mais eficaz do que os antidepressivos, potenciando o bom humor e garantindo o bem-estar emocional dos pacientes com perturbações mentais”, assegurou ele em entrevista ao diário catalão La Vanguardia. Este cientista, que admite ser budista, diz-se particularmente feliz por saber que há cada vez mais gente a seguir-lhe o exemplo: “Não são estudos meus, mas de acordo com investigadores da Universidade de Exeter, em Inglaterra, os efeitos positivos das árvores sobre o bem-estar mental duram mais tempo do que as ‘injeções’ de felicidade que sentimos quando nos casamos ou nos aumentam o ordenado.”
Haverá aqui algum exagero? As dúvidas são legítimas, mas os banhos de floresta são cada vez mais populares um pouco por todo o lado. Em França, ganhou já o nome de silvoterapia e converteu-se numa disciplina do Saber na “escola” criada para o efeito, em 2013, pelo biólogo Jean-Marie Defossez. A sua prioridade tem sido aproveitar o facto de 96% dos franceses considerarem a Natureza “um lugar de bem-estar” e desmistificar a forma como a shinrin-yoku deve ser encarada: “Não há aqui nenhum delírio do espírito, nem abordagens esótericas e mágicas”, diz o homem que não gosta sequer que o tratem por silvoterapeuta – “a floresta é que é terapêutica”, sublinha.
O mesmo é repetido por Alex Gesse, o catalão de 43 anos que abandonou, há pouco mais de dois anos, uma carreira de sucesso em marketing estratégico para introduzir os banhos de floresta na Península Ibérica. “Eu sou apenas um guia”, garante o fundador do Shinrin-Yoku Portugal e um dos líderes da Association of Nature & Forest Therapy Guides & Programs, com sede nos Estados Unidos da América. Casado com uma portuguesa, passa o tempo a viajar pela Europa, dando cursos de formação, ao mesmo tempo que organiza passeios e retiros para crianças, famílias e empresas. A Mata dos Medos, na Costa da Caparica, a serra de Sintra e a Mata do Buçaco são os seus lugares de eleição para trabalhar. E garante que ele e os seus convidados nunca se cansam. “Há quanto tempo é que não se senta junto a uma árvore e, em silêncio, observa o voo de uma borboleta?”
O milagre das árvores
Factos sobre a especialidade criada no Japão para estar em comunhão com a Natureza
62 – Número de parques naturais onde se pratica shinrin-yoku e que integram o programa nacional de saúde do Japão
20 000 – Total de quilómetros das pistas florestais que já existem em França para se andar a pé, de bicicleta ou a cavalo, e nas quais se pode praticar shinrin-yoku
93 – Percentagem de habitantes dos EUA que passa o seu tempo a viver e a trabalhar em espaços fechados, o que tem provocado um crescimento exponencial do shinrin-yoku no país
1 500 – Número aproximado de portugueses que experimentou os banhos de floresta promovidos pela Shinrin-Yoku Portugal, desde a sua fundação