“Quantos mais desafios e cenários praticarmos nos treinos, melhores desempenhos teremos nas provas. Tal como na Ciência, quanto maior for a amostra, mais real é a conclusão tirada”, defende Miguel Galhardas
José Carlos Carvalho
No Pavilhão do Conhecimento, a aula começa com uma experiência que vai levar alguns alunos ao tapete. Andar de costas não é mesmo tarefa fácil. “Quando foi mais fácil parar e porquê?”, pergunta o professor Miguel Galhardas à turma do 3.º ano da Escola Básica Quinta dos Frades, em Lisboa. À medida que se aumenta a velocidade e se anda de costas mais rápido – chegando mesmo a correr, por vezes com as mãos nos bolsos –, aumenta também a probabilidade de cair. Quanto maior a velocidade, maior a quantidade de movimento, o que no judo faz desequilibrar o adversário, por isso existem golpes para a frente e golpes para trás. Em vários momentos da aula, Miguel reforça a ideia base de que o judo é um jogo de forças. “É preciso ter um amigo e protegê-lo. Se ele se aleijar, já não posso praticar a modalidade.”
Dois a dois, meninos e meninas percebem que é mais fácil desequilibrar o amigo quando este tem os pés juntos (base pequena) do que com os pés afastados (base grande), pois o centro de massa tem de se deslocar muito com a base grande, percorre perto de dois palmos até chegar aos pés juntos.
Através das três Leis de Newton, Miguel Galhardas criou um projeto que mistura uma aula de Física com Desporto e a relação com os outros. “É um projeto único que mistura estas três vertentes. Existem outros projetos que misturam o Desporto com a socialização, mas depois falta a componente da Ciência”, explica.
Miguel Galhardas, 38 anos é um dos 110 candidatos ao Global Teacher Prize Portugal, vindos de 16 distritos do País e das duas regiões autónomas, com 58% de projetos liderados por professoras e 42% por professores. As candidaturas validadas abrangem todos os níveis de ensino: pré-escolar (6%), 1.º ciclo (19%), 2.º ciclo (16%), 3.º ciclo (30%), secundário (26%) e ensino especial (3%).
No esquema das alavancas, o centro de apoio é a anca de quem está no chão. Se o peso estiver longe do centro de apoio, é mais difícil levantar o amigo
José Carlos Carvalho
O papel social do judo
Miguel Galhardas soube do concurso através de um programa de rádio. Despertou-lhe a atenção ao ouvir falar de professores que têm um aperto de mão especial para cada aluno. As suas aulas são consideradas um modo de educação não formal. Miguel não dá notas, mas exige atenção e disciplina, apesar de a aula ser passada descalços e num tapete de judo.
Desde o ano passado, pensa levar o seu projeto a mais escolas e, para tal, procura financiamento, de preferência a longo prazo, para não ter de planear tudo desde a sua raiz a cada ano letivo que inicia. Há três anos letivos, vai duas vezes por semana ao Pavilhão do Conhecimento, integrado no Programa Escola Ciência Viva, tocando cerca de 1 500 alunos, ao Externato Champagnat, aos 8.º e 9.º anos, e à Escola Básica de São Vicente, em Telheiras.
Praticante de judo desde os cinco anos, Miguel Galhardas foi atleta de alta competição, incluindo uma década ao serviço da seleção nacional de judo. Encerrou o seu ciclo olímpico, em 2004, depois de se ter formado em Design de Comunicação e ter concluído o mestrado em Estratégias de Comunicação, em Barcelona. Seguiram-se alguns anos a trabalhar em agências de publicidade até criar o projeto que destaca o papel social do judo, “como a modalidade pode contribuir para a sociedade”.
A natação, por exemplo, é individual, mas o judo é a ligação com o outro, explora a interação, a integração do outro e a importância da diversidade. Para o professor, “quantos mais desafios e cenários praticarmos nos treinos, melhores desempenhos teremos nas provas. Tal como na Ciência, quanto maior for a amostra, mais real é a conclusão tirada”. Miguel faz questão de lembrar que a Ciência está presente em pequenos detalhes do dia-a-dia. Para deslocar uma pesada máquina de lavar roupa, por exemplo, é preciso deslocar o centro de massa, por isso é que se arrasta de um lado, e depois do outro. “O objetivo é despertamos para a Ciência através das sensações com o nosso corpo”, resume Miguel.
Através do Jogo da Corrente, explica-se velocidade linear “versus” velocidade angular
José Carlos Carvalho