Quando o fígado entra em falência, deixando de funcionar, o corpo vai acumulando produtos tóxicos que podem levar à morte. Um destes produtos é a amónia, que num estado normal é convertida em ureia no fígado e eliminada na urina, depois de passar pelos rins. O problema da acumulação de amónia, que resulta do processo normal da digestão, é sobretudo o dano que causa no cérebro.
Se não for eliminada, a amónia chega à cabeça e acumula-se, causando um edema, ou inchaço. Para quem entra em falência hepática – o que pode acontecer por ingestão de cogumelos venenosos, excesso de paracetamol, ou hepatite – está é uma das principais causas de morte.
Até hoje, em todo o mundo, não havia grande consenso acerca da melhor forma de evitar este desfecho. Dependia da unidade de saúde em que o doente estava internado e até do médico responsável. Em alguns casos não se fazia nada, noutros aplicava-se uma técnica de limpeza do sangue, tipo hemodiálise, de forma intermitente, noutros ainda recorria-se à limpeza de forma contínua, ao longo de 48 horas. Ninguém sabia o que trazia melhores resultados.
Isto até Filipe Sousa Cardoso, 33 anos, gastrenterologista do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, se ter proposto estudar o caso, para tentar tirar conclusões. Recorreu a uma base de dados com informação sobre doentes em falência hepática, atendidos em vários centros americanos e canadianos, e analisou-os à lupa. Ao comparar as três estratégias, o médico concluiu que a desintoxicação extracorpórea (através de uma máquina), contínua, era duas vezes mais eficaz a elininar a amónia, e que a mortalidade, ao fim de três semanas, era menor. Por este trabalho, publicado na revista Hepatology, a publicação mais relevante nesta área da Medicina, Filipe Sousa Cardoso recebeu um prémio de 20 mil euros, atribuído pelo Banco Carregosa e pela Secção Regional Norte da Ordem dos Médicos.
“Este é um prémio para a investigação clínica”, reforça o médico, que faz questão de dizer que o mesmo só foi possível graças à colaboração de colegas americanos e canadianos. “Qualquer hospital com unidade de cuidados intensivos tem possibilidade de fazer este tratamento.”
Por ano, há cerca de cem casos de falência hepática em Portugal. Em algumas situações, o fígado regenera-se sozinho, noutras só o transplante hepático cura o doente. Em qualquer dos casos, a remoção da amónia é fundamental para manter o doente vivo, até que uma ou outra solução ocorram.