Em cima da mesa estiveram quatro propostas do executivo para alterar o regime jurídico aplicável às ações de arborização e rearborização, para criar o Banco de Terras, alterar o Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios e criar um sistema de informação cadastral simplificada.
Com a aprovação da maioria dos artigos dos diplomas apresentados pelo Governo foram rejeitados dois projetos de lei do BE para estabelecer um regime jurídico para as ações de arborização, rearborização ou adensamento florestal e para criar o Banco Público de Terras Agrícolas, bem como um projeto de lei conjunto do PSD e do CDS-PP para criar o Sistema Nacional de Informação Cadastral (SNIC)
O que está em causa
Da criação de um banco nacional de terras à limitação da expansão do eucalipto, passando pelo cadastro florestal, são muitas as propostas que foram a votos no Parlamento para resolver o problema dos incêndios. Será desta?
A 21 de abril, entraram na Assembleia da República várias propostas e projetos de lei do Governo e do Bloco de Esquerda, no âmbito da Reforma Florestal. Uns desceram à comissão, para outros marcou-se nova discussão na generalidade. Mas todos ficaram pelo Parlamento, intocados, durante dois meses. Agora, depois dos incêndios que mataram 64 pessoas e pressionados por Marcelo Rebelo de Sousa, os partidos concordaram em debater e aprovar os diplomas até 19 de julho.
Paulo Lucas, da associação ambientalista ZERO, considera que esta é, no essencial, uma boa reforma, ainda que seja aprovada à pressa. “Há um esforço no sentido de limitar a expansão do eucalipto, o que é extremamente positivo”. Mas, acrescenta, “não se foi tão longe quanto devia nas entidades de gestão florestal”. “Achamos que se deveria impor uma lógica de gestão coletiva. Está implícita, sim, mas não é obrigatória.” A ausência de criação de infraestruturas de combate aos incêndios (como bocas de incêndio) nas povoações de zonas de risco, e de formação às populações para lidarem com fogos, também merece críticas. “Não teria isto sido evitável se as pessoas daquela região soubessem o que fazer?”
O cadastro florestal simplificado, por outro lado, merece aplausos. “É uma grande evolução. A norte do Tejo, por exemplo, praticamente não conhecemos os proprietários dos terrenos. Nem o próprio Estado conhece tudo o que tem.” Esse cadastro, no entanto, “será caríssimo”, avisa. “Aliás, toda a reforma será cara. A sociedade terá de aceitar isso. É um investimento que tem de ser feito e vai dar frutos. “
Rosário Alves, diretora-executiva da Forestis – Associação Florestal de Portugal, também considera o cadastro, tal como o banco nacional de terras, um passo na direção certa. Mas espera que desta vez seja dada oportunidade a quem está no terreno de participar. “Gostávamos que o sistema fosse executado pelas associações, pelas câmaras municipais, pelas juntas de freguesia. Até agora, todas as propostas para fazer o cadastro têm sido de entidades distantes dos territórios, o que faz aumentar o preço drasticamente.”
A representante das associações portuguesas da floresta aponta, no entanto, falhas importantes às reforma do setor. “Estão previstas duas entidades diferentes com responsabilidades na prevenção estrutural, que fica com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, e a e no combate, que fica com a Proteção Civil. Deveria ser criada uma entidade única, até porque o dispositivo de combate tem de ter um conhecimento profundo das estruturas de prevenção que foram criadas.”
São estes alguns dos pontos principais das propostas, que têm o ambicioso objetivo de dar a solução, em poucas semanas, para o que não se resolveu em décadas:
Banco público de terras agrícolas
O projeto do Bloco de Esquerda tenta facilitar, ou em certos casos impor, o arrendamento de terrenos rurais abandonados, estimulando o uso das terras e reduzindo a dispersão agrícola, hoje retalhada em parcelas tão pequenas que não têm viabilidade económica. No caso das terras do Estado ou das autarquias, a cedência ao banco é simples e direto. No dos privados, a proposta passa por penalizar em sede fiscal os proprietários com terrenos em situação de abandono que não disponibilizem as propriedades. Ao fim de três anos, estas terras serão mesmo alvo de arrendamento compulsivo. A proposta do Governo põe à disposição do banco, além de todos os terrenos do Estado, todas as terras com aptidão agrícola, silvopastoril ou florestal que não tenham dono conhecido.
Regime jurídico para as ações de arborização, rearborização ou adensamento florestal
Prevê que a florestação seja feita preferencialmente com espécies endógenas e proíbe as invasoras, como as acácias. Limita a área florestal contínua a 200 hectares – e 50 hectares no caso de monoculturas. Proíbe que o mato ultrapasse os 50 centímetros de altura. Não permite novas plantações de eucalipto em zonas protegidas e agrícolas. Na prática, impede o aumento da área de eucalipto em Portugal.
Sistema nacional de defesa da floresta contra incêndios
Alterações legislativas que, entre outras coisas, exigem a identificação de zonas críticas de incêndio, a elaboração e divulgação diária, por parte do IPMA, do risco de fogo rural, e a integração e compatibilização de ações de florestação contra incêndios nos instrumentos de planeamento florestal. Além disso, a “gestão de combustível” (remoção total ou parcial de biomassa florestal) é obrigatória nas linhas de distribuição elétrica, a uma largura de sete metros, e de gás, de cinco metros. Os proprietários rurais têm de limpar os terrenos de floresta, mato ou pastagens 50 metros à volta dos edifícios – essa faixa sobre para 100 metros em redor das povoações. É proibida a nova edificação em zonas consideradas de alto risco de incêndio. Sempre que se verifique o índice de risco de incêndio muito elevado ficam interditos o acesso e a circulação nessa área. Há ainda várias medidas que reforçam a chamada Rede Nacional de Postos de Vigia, que incluem vigilância por drones, pelas Forças Armadas e videovigilância. Finalmente, estabelecem-se comissões de defesa da floresta, municipais e distritais, que serão responsáveis por todo o planeamento e coordenação de prevenção e combate aos incêndios, que incluirá planos de fogo controlado – queimadas fora da época quente com o intuito de reduzir a biomassa.
Sistema de informação cadastral simplificada
Depois de décadas de tentativas falhadas de criar um caro e complexo cadastro florestal – um dos grandes problemas é que não se conhecem os proprietários de 30% da floresta portuguesa -, o Governo pretende agora avançar para uma versão mais simples, cruzando dados de todas as entidades da Administração Pública e dando a oportunidade aos proprietários de registarem os terrenos gratuitamente. A partir dessas informações vai sendo desenhado o cadastro.
Benefícios fiscais para entidades de gestão florestal
Visam combater aquele que é um dos maiores entraves ao ordenamento da floresta: a sua dispersão por parcelas pequenas, distribuídas por muito milhares de proprietários, que não conseguem retorno suficiente das suas terras para que a gestão compense do ponto de vista financeiro. Com estas alterações à lei das Entidades de Gestão Florestal tenta-se, através de incentivos fiscais, estimular o associativismo. Ou seja, incentivar os pequenos proprietários a unirem-se, fazendo baixar os custos de gestão e aproveitamento da floresta.