Vários meses depois, os três dias da festa de casamento de Sofia Vergara com Joe Manganiello continuavam a ser tema de conversa. E não, já ninguém falava do vestido da noiva que lhe deixava a descoberto os ombros. O tema era a ambulância onde os convidados podiam ser reidratados por via intravenosa.
A atriz de Uma Família Muito Moderna casou-se em novembro de 2015, num resort em Palm Beach, na Florida, a uma hora e meia de carro de Miami, cidade onde cinco anos antes dois médicos tinham fundado um centro de bem-estar chamado Reviv. O nome remete para a ideia de reviver, e é essa a mensagem que Johnny Parvani e Adam Nadelson querem passar com os seus cocktails multivitamínicos que hoje são administrados em 55 centros, nos Estados Unidos, Canadá e Europa.
Não era a primeira vez que se ouvia falar em hidratação por via intravenosa fora dos hospitais. Rihanna, Cara Delevigne, Miley Cyrus e outras celebridades já tinham aparecido nas redes sociais de agulha espetada no braço, muito sorridentes e a falarem na necessidade de “repor energias”. Mas nunca ninguém assumira publicamente querer curar uma ressaca dessa maneira.
Escreva-se já que a comunidade médica torce o nariz aos alegados benefícios da terapia. “É como usar um bulldozer quando chega uma pá, porque habitualmente basta um vulgar comprimido para tirar a dor de cabeça do dia seguinte”, já comparou um médico citado pela revista TIME. E no entanto é assim que se promove um dos tratamentos da Reviv, lê-se na página da internet da “primeira clínica de hidratação IV de Lisboa”, que este mês abriu portas, a dois minutos a pé das noites do Cais do Sodré: “O Ultraviv ajuda na recuperação da ressaca e de doenças.”
Efeito placebo?
Além desse cocktail, a Reviv propõe mais quatro para “repor a hidratação”, “proporcionar vitaminas”, “refrescar o aspeto da pele” e “fazer uma desintoxicação do organismo”. Há ainda quatro injeções intramusculares de vitaminas e nutrientes, uma com um antioxidante e as restantes para “energia duradoura”, “ajudar na perda de peso natural” e “vigor na condição física.” As terapias intravenosas custam entre 160 e 349 euros e as injeções entre 29 e 65 euros.
Por cá, o lançamento foi na ModaLisboa, e no Facebook da Reviv já apareceram vários famosos. Carolina Patrocínio, embaixadora da marca, fez uma injeção para ajudar na perda de peso e marcou uma terapia intravenosa para recuperar do jet lag após uma viagem que tem agendada para breve. E Rita Ferro Rodrigues recebeu o cocktail Royal Flush, que promete desintoxicar o organismo. “Melhor momento da semana. Literalmente agarrada ao soro a hidratar e a repor energias. Que descoberta esta @revivlisbon! Totalmente in love”, escreveu a apresentadora de televisão na sua conta de Instagram.
Em Lisboa, o médico Jorge Paulos, anestesista no Hospital de S. José, encabeça a equipa da Reviv. Antes de qualquer terapia, que é administrada por um enfermeiro, há uma consulta com ele, em que começa por explicar que os componentes injetados “são um reforço de tudo o que o organismo já tem”.
Quem experimentou garante ter-se sentido imediatamente melhor, sensação que os críticos atribuem ao efeito de placebo. Jorge Paulos contrapõe com um exemplo prático: “Com o suplemento B12, que temos em forma intramuscular, a reposição dos níveis da vitamina é mais rápida.” O próprio médico sentiu-se sem sono e com mais energia depois de um Royal Flush após um banco de 24 horas, mas não garante que tenha sido do cocktail. “Seria preciso ter feito análises antes e depois”, diz, cauteloso.
O tema é ao mesmo tempo “muito simples e muito complicado”, começa por dizer o médico António Vaz Carneiro, diretor do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência. “Quando estamos a falar de suplementos alimentares, falamos de uma suplementação a um estilo de vida normal. Temos a ideia de que estas vitaminas e proteínas poderão ser uma boa medida de prevenção cardiovascular, oncológica e reumatológica, que só temos a ganhar com isso. Que quanto mais melhor, não é?”
Hum… Será? O também professor da Universidade de Medicina da Universidade de Lisboa estava só a ganhar balanço. “Há uma indústria gigantesca à volta dos suplementos, inteiramente legal, mas é uma terapêutica que, baseada na melhor evidência, faz mais mal do que bem. Foram comparados vários estudos e feita uma ‘fotografia’ que mostra isso mesmo. Os investigadores pegaram em 78 ensaios clínicos com cerca de 300 mil pacientes, com mais de 60 anos, saudáveis ou com doenças crónicas, para tentar perceber se diminuía a mortalidade, globalmente e especificamente a cardiovascular e a oncológica, com a toma de vitaminas. Pois concluíram que não só os suplementos não diminuíam a mortalidade global como a aumentavam em três em cada mil.”
Pop ups no Algarve
Vaz Carneiro tem a página da internet da Reviv Lisbon aberta no computador e interrompe-se para comentar: “Arrepia-me olhar para este site. Andar a injetar vitaminas, que são substâncias ativas, em pessoas que estão bem é gravíssimo. É uma toxicidade que induz mais dano do que benefício.”
Pior: a administração intravenosa “é uma terapêutica muito agressiva, para intervenções graves na Medicina, e este é um negócio virado para as pessoas que estão bem, porque se estão mal vão ao hospital. Parece-me uma atividade no mínimo reprovável, que devia ser proibida. As pessoas que não têm doenças não devem fazer suplementação, e muito menos sujeitarem-se a injeções endovenosas de composições desconhecidas”.
Na Reviv ninguém parece temer as críticas. Para o verão já estão previstas parcerias com hotéis, no Algarve.
Os cocktails da moda
1- Hydromax “Combate a desidratação e as queimaduras solares e ajuda a melhorar o desempenho atlético”
2 – Ultraviv “Reforça a energia e alivia a dor e as náuseas”
3- Megaboost “Recarrega o sistema para máxima energia e produtividade”
4 – Vitaglow “Excelente para desintoxicação contra radicais livres e para o rejuvenescimento da pele e do corpo”
5 – Royal Flush “Ajuda a ficar com melhor aparência e a sentir-se no seu melhor”
6 – Slimboost “Aumenta a energia, reforça a condição física e promove a perda de peso natural”
7 – CoQ10+ “Melhora a saúde cardiovascular”
(Artigo publicado na VISÃO 1260, de 27 de abril de 2017)