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Cybill Shepherd avança para Bruce Willis com a convicção de um jogador de futebol americano. Na verdade, se eliminássemos a cabeleira loura e os saltos altos, julgaríamos estar na presença de uma “estrela” dos Chicago Cubs ou dos New York Giants. Mas incorremos, ai de nós, em mais um erro de perceção, desculpável apenas para quem não cresceu nos anos 80 e não viu a série Modelo e Detective, em que tudo isto se passa. Porque para todos os outros, e por isto entenda-se qualquer pessoa com mais de 35 anos, estão bem na memória as imagens de mulheres que usavam casacos, vestidos e até camisolas de lã com a estrutura (e a largura) de arcos do triunfo. Algumas eram tão maléficas como Alexis Carrington, de Dinastia (interpretada por Joan Collins), mas outras, pelo contrário, mostravam-se tão doces como a jovem Princesa Diana ou tão sedutoras como Sharon Stone (em Instinto Fatal) ou a própria Cybill Shepherd. Unia-as todas o uso diário de pequenas almofadas de algodão colocadas nos ombros, a que em Portugal se deu o pouco inspirado nome de chumaços, ou enchumaços. As décadas seguintes simplificaram a silhueta da mulher e tornaram estes ombros compensados um tesourinho deprimente dos guarda-fatos, só comparáveis às calças à boca de sino e aos cabelos ripados dos idos de 70. E, no entanto, eles estão de volta, capazes de transformar a mais insignificante rapariga num gladiador urbano. Ameaçado em 2012, quando Lady Gaga usou em público um vestido preto e branco muito compensado nos ombros, o regresso dos chumaços consumar-se-á nesta primavera-verão, com tailleurs já apresentados, nas semanas da moda, por Riccardo Tisci (para a Givenchy), Balmain, Isabel Marant, Paul& Joe, Stella McCartney, Thierry Mugler e Claude Montana. As silhuetas femininas vão, assim, tornar-se mais gráficas e angulosas. Sinceramente, o que esperávamos, depois de vermos, neste outono-inverno, as prateleiras de acessórios encherem-se de pesadas correntes e até de réplicas de condecorações? Mas o resultado pode não ser tão mau como parece. Na verdade, os chumaços nos ombros têm por objetivo realçar a figura de quem os usa, “aumentando-lhes” a estatura e chamando a atenção para a cintura e para as pernas. O segredo é saber coordená-los com a restante indumentária: o ideal será com calças skinny, saia pencil, pelo menos por altura do joelho, pouca joalharia e, naturalmente, saltos altos. Não é complicado: basta seguir as lições da História da moda, que os grandes criadores conhecem muito bem. O ESTILO DON JOHNSON A silhueta poderosa, de que os chumaços são parte fundamental, surge invariavelmente em épocas de crise económica, quando homens e mulheres necessitam de se afirmar com uma explosão de confiança. Há que recuar à década de 30, quando a Grande Depressão se transformou numa espiral de miséria humana. Vestidas por estilistas como Adrian ou Elsa Schiaparelli, as grandes divas do cinema americano davam que sonhar a milhões de espectadores. Com os seus vestidos de noite de lamé e seda, cobertos por casacos de ombros largos, mulheres tão confiantes como Joan Crawford, Bette Davis, Carole Lombard ou Katherine Hepburn faziam as espectadoras esquecer os sapatos cambados e o vestido coçado. Um dia, também elas olhariam a vida de cima… Nos anos 80, as filhas destas fãs lutavam pela afirmação profissional, num mundo que continuava a ser um couto masculino. Na política, como na justiça ou no jornalismo; nas universidades como nas empresas. A moda expressa, como sempre, essa urgência de mudança, e pela primeira vez na sua História abandona o estatuto de art & craft que ainda tinha para se tornar um negócio global, capaz de movimentar milhões de empregados e milhões… de dólares. As top models substituem as atrizes no imaginário dos jovens, multiplicam-se as revistas de moda (mesmo em Portugal, onde surgem, de uma assentada, a Elle, a Marie Claire e a Máxima), fotógrafos como Richard Avedon, Steven Meisel, Herb Ritts ou Mondino cobram cachets astronómicos. E o que fotografam eles? Mulheres e homens com ombros largos, determinados a destronar Gordon Gekko (personagem de Michael Douglas em Wall Street) da sua torre de dinheiro e poder. Os homens responderam com a mesma moeda. Basta recordar séries de grande sucesso como L.A Law ou Dallas para perceber como também eles recorriam a chumaços nos ombros, capazes de os tornar dominantes. Complementos indispensáveis: o exercício físico, a filofax e, claro, o Rolex no pulso. Este apetite pelo luxo fez a fortuna de algumas marcas, que se afirmaram como gigantes graças aos yuppies. Foram os casos de Armani (sobretudo depois de Richard Gere usar os seus fatos no filme de 1980 American Gigolo), Calvin Klein, Ralph Lauren, Gucci, Prada ou Hugo Boss, que teve uma excelente montra nas séries L.A Law e Miami Vice. Sim, lembramo-nos que, neste último caso, os fatos eram quase sempre brancos usados sobre t-shirts, os óculos escuros eram usados de noite e Don Johnson tinha um corte de cabelo comparável ao de um futebolista do Amora. Mas, quem sabe? Na moda, como na natureza, nada se perde, tudo se transforma. |
Artigo publicado na VISÃO 1254 de 23 de março