500 anos
Pela fé do indivíduo
Quinhentos anos depois de Martinho Lutero (1483-1546) ter apresentado 95 teses que queria ver debatidas, são várias as certezas e algumas as dúvidas.
Uma das dúvidas é saber se o então monge alemão as afixou na porta da igreja do castelo de Wittenberg, de forma a ficarem acessíveis aos comuns dos mortais (capazes de lerem em latim).
Parece que é lenda. Uma pena, pois caía que nem ginjas na ideia subjacente aquela que passou a ser conhecida como a Reforma Luterana ou Protestante a fé de cada indivíduo é que importa.
No lado das certezas, temos que, em outubro de 1517, as teses de Lutero foram o embrião do cisma da Igreja, levando à divisão (que não desejava) entre as confissões protestantes e a igreja católica. E que tudo começou por o monge agostiniano não concordar com as indulgências que eram, na verdade, uma “venda” do perdão.
Além de defender o fim das indulgências, Lutero condenava os luxos do Papa, em Roma.
Acabaria por abandonar a ordem agostiniana, casar, traduzir a Bíblia para alemão (deveria ser a base doutrinária, dizia) e escrever vários textos e livros a defender o renascimento da Igreja.
Após a sua morte, surgiram as guerras confessionais entre reis protestantes e católicos.
100 ANOS
“Uma senhora mais branca que o Sol”
Foi a 13 de maio de 1917 que três crianças Jacinta, 7 anos, Francisco, 9, e Lúcia, 10 afirmaram ter visto “uma senhora mais branca que o Sol”, sobre uma azinheira, enquanto pastoreavam um pequeno rebanho na Cova da Iria, lugar da freguesia de Fátima. A aparição repetiu-se nos meses seguintes, sendo portadora de uma mensagem ao mundo até que, a 13 de outubro, se terá revelado como Nossa Senhora do Rosário. A narrativa é feita por Lúcia, a mais velha dos três pastorinhos (e que sobreviveria até 2005, enquanto os primos morreram pouco depois dos eventos de Fátima, vítimas da Gripe Espanhola) e a única, também, que dizia falar com a aparição. É ela ainda a portadora do chamado Segredo de Fátima, constituído por três partes de caráter profético: a primeira parte é uma visão do inferno, a segunda a devoção a Maria. A última foi mantida no maior secretismo até ao ano 2000, quando o cardeal Ratzinger (que se tornaria o Papa Bento XVI) decidiu divulgar o texto ao mundo. Aludia a um ataque a um “bispo vestido de branco”, interpretado pela Igreja como referência a um acontecimento específico: o atentado a João Paulo II, a 13 de maio de 1981. O Papa atual, Francisco, confirmou que estará em Fátima para celebrar o centenário das aparições.
300 ANOS
À boa maneira joanina
Mandado construir por D. João V para cumprir um voto de sucessão, é o monumento português que melhor reflete aquilo que podemos considerar uma obra completa: arquitetura, escultura, pintura, música, literatura… Pensado ao pormenor, representa mesmo algo único da arte barroca: em 40 mil metros quadrados, ali se conjugam a excelência de materiais, soluções arrojadas e requinte de execução.
O saldo final junta um complexo hospitalar, dois grandiosos carrilhões, um conjunto único de seis órgãos de tubos, uma das mais espetaculares bibliotecas históricas do mundo (com chão em mármore, estantes em estilo rococó e uma coleção de mais de 36 mil livros com encadernações em couro e gravadas a ouro, incluindo uma segunda edição de Os Lusíadas, de Luís de Camões), tudo dentro de um património que é simultaneamente palácio real, convento franciscano e basílica.
É tudo isto que este ano está em festa. A 17 de novembro, celebra-se o 3º centenário da cerimónia de colocação da primeira pedra da Basílica do Palácio Nacional de Mafra. A última pedra, essa, só seria colocada em 1755 o ano do terramoto.
100 ANOS
Outubro vermelho
Foi um dos acontecimentos mais importantes da História do século XX, que acabou a derrubar a aristocracia russa e levou ao poder o Partido Bolchevique de Vladimir Lenin. A Rússia era então predominantemente rural, com um processo de industrialização apenas em alguns centros urbanos. A economia e o exército viviam grandes dificuldades que, com a entrada do país na primeira guerra, enfraqueceriam ainda mais. No final de 1916 só não colapsou perante uma crise alimentar graças a um rigoroso racionamento.
É em outubro de 1917 que Lev Trotsky, intelectual marxista, novo líder do conselho operário soviete de Petrogrado (atualmente São Petersburgo, e então capital do país) confere organização à Guarda Vermelha, fazendo com que os burgueses perdessem o poder. E é Lenin que segura nas rédeas. Sob a sua administração, a Rússia, e depois a União Soviética, torna-se um estado socialista unipartidário, governado pelo Partido Comunista (ver texto de análise na página 36).
10 ANOS
A era do iPhone
Os fãs da Apple e, vá, os entendidos em tecnologia não nos perdoariam se não recordássemos que em junho de 2007 foi lançado no mercado dos Estados Unidos da América o mais revolucionário de todos os telefones: o iPhone. Hoje a oferta de smartphones é imensa, há sensores e funcionalidades para todos os gostos e há até tecnologias que prometem torná-los resistentes ao pó, a quedas e a banhos de água profundos. Mas não nos podemos esquecer de que à data não havia nada no mercado que surpreendesse mais do que um telefone com touchscreen, com um teclado virtual, não físico, e que ainda para mais permitia sincronização com o iTunes. Centenas de pessoas formaram filas para comprar o telefone que a TIME nomeou “a invenção do ano”. Há mais de dois anos e meio que o líder da Apple tinha juntado uma equipa de engenheiros para criar um telefone que fosse uma mistura de telefone, iPod e browser de internet. A ideia nascera de uma outra ideia: Steve Jobs começara por pensar numa tela multitoque que permitisse a um utilizador interagir com um PC sem necessidade de rato e de teclado. Até que se lembrou: e se esta tecnologia fosse implementada num telefone? Em janeiro de 2007, meses antes de chegar às lojas, Steve Jobs tinha anunciado assim o seu produto numa palestra em São Francisco, na Califórnia: “Hoje, a Apple vai reinventar o telefone.” E reinventou mesmo.
100 ANOS
O urinol que é arte
Poderia ter sido apenas uma peça de loiça sanitária amplamente elogiada pelos homens por se ter adaptado à anatomia do órgão sexual masculino, se em 1917 Marcel Duchamp não tivesse revolucionado o mundo artístico ao transformar este vulgar objeto de porcelana numa obra de arte. Fará este ano cem anos que aquele que é um dos maiores representantes do Dadaísmo criou “A Fonte” nada mais nada menos que um urinol ao contrário.
Duchamp comprou o urinol branco de parede numa loja de ferragens, assinou como sendo de R. Mutt e enviou-o para um concurso de arte em Nova Iorque.
Os maiores estudiosos da sua obra contam que a peça foi rejeitada pelos jurados e que só anos depois o artista começou a fazer réplicas para vários museus. O certo é que depois deste “ready-made” a arte nunca mais seria o mesmo. “A Fonte” chegou a ser eleita a obra mais importante do século XX, e estima-se que o original valha hoje cerca de 3 milhões de euros. Em 2006, um francês atacou com um martelo o urinol exposto no Centro Pompidou, em Paris. Depois de ser detido, alegou que o ataque era uma performance artística e que o próprio Duchamp teria apreciado a atitude se ainda fosse vivo.
100 ANOS
O ultimato futurista
“Eu não pertenço a nenhuma das gerações revolucionárias. Eu pertenço a uma geração construtiva. (.) É preciso criar a pátria portuguesa do século XX. O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, Portugueses, só vos faltam as qualidades.” O texto provocatório, dedicado às gerações portuguesas decadentes, foi lido por Almada Negreiros em abril de 1917, num espetáculo no Teatro República com outros representantes da Geração d’Orpheu. Uns meses depois, em novembro, este “Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX” seria publicado naquele que foi o único número da revista Portugal Futurista. Também lá estavam poemas de Mário de Sá-Carneiro e de Pessoa, o melhor do futurismo estrangeiro, uma homenagem a Santa-Rita Pintor, a reprodução de quadros de Amadeo de Souza-Cardoso e outro “ultimatum”, o de Álvaro de Campos, onde o heterónimo de Pessoa se declarava contra uma Europa onde “homens, nações, intuitos está tudo nulo!” A revista, por sorte, escapou à censura prévia que vigorava em tempo de guerra.
Mas não seria preciso esperar muito para que fosse retirada das bancas.
Artigo publicado na VISÃO 1243 de 28 de dezembro