Em vez de se deixar intimidar pela indefinição do futuro do jornalismo, Jane McDonnell, 63 anos, vive entusiasmada com a possibilidade de descobrir os novos caminhos dos media, apesar dos inevitáveis acidentes de percurso. A diretora-executiva da Associação de Notícias Online (Online News Association – ONA), a organização que reúne o maior número de jornalistas digitais do mundo, vê como inevitável que as empresas de media e as gigantes tecnológicas, como o Google ou o Facebook, se associem em benefício da qualidade da informação que chega aos cidadãos. Ao fim de oito anos na liderança da ONA, cargo que abandona no final do ano, a norte-americana tem dificuldade em dizer o que “não mudou” na forma como as pessoas se relacionam com as notícias nos últimos anos. A jornalista passou por Portugal para participar no encontro organizado pela associação Chicas Poderosas, criada pela designer portuguesa Mariana Santos, 33 anos, na América Latina, com o intuito de promover a igualdade de género nas redações e não só. À VISÃO, Jane McDonnell falou do poder das redes sociais, do jornal do futuro e de como pode o jornalismo de qualidade competir com fenómenos mediáticos como o fim de “Brangelina” (o casamento de Brad Pitt e Angelina Jolie).
O que está a impedir o jornalismo online de ser lucrativo?
Essa é a pergunta de seis milhões de dólares… É muito difícil mudar de conteúdos gratuitos para conteúdos pagos na internet porque, entretanto, os anunciantes abandonaram o papel, optaram por outros meios de divulgação e é preciso ganhar mais dinheiro com o online.
O problema tem sido os media procurarem uma poção mágica que substitua de uma vez só a publicidade tal como a conhecíamos. Isso não vai acontecer. O [site de notícias] BuzzFeed está a ser verdadeiramente inovador na forma como olha para a publicidade: usam os dados dos utilizadores e atraem-nos para os anunciantes certos.
Mas as empresas de media também têm de se preocupar com a privacidade dos leitores…
Cada vez mais as organizações de media criam relações com os leitores que antes não existiam, incluindo através da recolha de dados. Agora, os dados têm de ser recolhidos de forma transparente, os utilizadores têm de os ceder voluntariamente e saber de antemão como eles vão ser usados. A privacidade é, definitivamente, uma questão importante.
De que forma as novas tecnologias vieram alterar a maneira como as pessoas se relacionam com as notícias?
Eu não sei o que não mudou! [risos] A tecnologia está a evoluir de forma tão rápida que acabou por ter impacto em todos os aspetos do jornalismo. A forma como produzimos as notícias, como as distribuímos, como os repórteres cobrem os acontecimentos… Inicialmente, os jornalistas tiveram muita dificuldade em abraçar estas mudanças. O próximo desafio é adaptar as histórias às diferentes plataformas.
O que os leitores procuram também mudou?
O telemóvel foi a grande mudança. Já ultrapassámos a ideia de que as pessoas vêm até nós em busca de notícias, agora somos nós que vamos ter com elas com as notícias. Essa é uma grande mudança cultural. O futuro passa pelas pessoas terem as notícias sempre com elas.
E pela realidade virtual…
Sim, passa pela realidade virtual e por todos os desafios que ela nos irá trazer. Haverá questões éticas na forma como nos vamos inserir numa história de uma forma que nunca antes foi feita. E haverá outros desafios de que só nos daremos conta quando estiverem a ocorrer…
Até que ponto correr atrás do que está a dar nas redes sociais, e que muitas vezes não tem valor noticioso, prejudica o jornalismo?
Essa é uma questão complicada… É difícil desligar do que vem na nossa direção a grande velocidade através das redes sociais. É difícil pôr de lado aquilo em que as pessoas estão a clicar para nos concentrarmos noutra coisa que pode demorar mais tempo a desenvolver e custar mais dinheiro – o bom jornalismo é caro. Mas acho que é possível um meio-termo. Antigamente, os jornalistas não ouviam a comunidade o suficiente e essa é uma falha que estamos a corrigir agora. Isso não estaria a acontecer sem o impulso das redes sociais. Temos de encontrar uma maneira de envolver as pessoas no processo noticioso ao mesmo tempo que filtramos o ruído.
Como é que os jornalistas podem provar que são importantes na vida das pessoas? Como é que competimos com o fim de “Brangelina”?
Acho que ninguém pode competir com o “Brangelina”! [risos] Há algumas coisas que os jornalistas podem fazer para provarem a sua relevância, uma delas é contarem boas histórias. É isso que fazemos bem e é isso que as pessoas querem. Se pensarmos nisso, o “Brangelina” é uma grande história. É sobre duas pessoas lindas que estão a passar por uma situação que já muitas pessoas passaram e que pode ser muito difícil. A questão está na forma como se conta essa história. Se os jornalistas continuarem a contar bem as suas histórias creio que não terão de se preocupar com o futuro do jornalismo.
O jornalismo de investigação também pode ser fundamental…
Absolutamente. Há muito mais jornalismo de investigação a ser feito agora do que havia em anos anteriores. É preciso muito dinheiro para fazer jornalismo de investigação, mas há quem esteja a descobrir maneiras de o fazer que custam um pouco menos, mas têm o mesmo impacto. A internet deu um grande contributo para isso.
No ano passado, foi um filme sobre jornalismo de Investigação, O Caso Spotlight, que ganhou o Oscar de Melhor Filme. Foi um sinal de que o público se interessa pelo trabalho jornalístico?
O público quer e precisa de bom jornalismo. As críticas às redes sociais provam isso mesmo. Os utilizadores estão confusos e, muitas vezes, sentem-se perdidos por culpa da má informação que lá circula. Isso contribui para o trabalho dos jornalistas se revelar cada vez mais importante e crucial, na medida em que são profissionais capazes de distinguir o trigo do joio. Não quer dizer que não exista trabalho fantástico feito pelos “jornalistas cidadãos”. Nos EUA, há cada vez mais testemunhos e vídeos feitos pelos cidadãos incrivelmente importantes por mostrarem histórias que não veríamos de outra forma. Têm sido fundamentais, por exemplo, nas questões relacionadas com a discriminação racial e a violência policial.
É inevitável que as empresas de media se unam a gigantes como o Google ou o Facebook para sobreviverem?
Na Associação de Notícias Online tomámos uma decisão há muito tempo: em vez de fechar a porta, abri-la. Isto significa que temos de nos sentar com as empresas de tecnologia, que chegam a milhões de pessoas, e descobrir como podemos trabalhar juntos. Atualmente, estamos a colaborar com a Fundação Knight e com o Google no âmbito da realidade virtual porque sentimos que esse será o próximo passo tecnológico. Trabalhamos com os jornalistas à medida que usam a tecnologia para percebermos como ela pode ser melhorada.
O Facebook é responsável por grande parte do tráfego das páginas noticiosas. Esta dependência é perigosa?
Esse é um tema que nos interessa muito. E acho que o Facebook está mais disponível para ter esta conversa do que nunca. Eles têm aprendido com as suas experiências, como o Facebook Live, e sabem que têm de fazer melhor. Ainda estão a tentar perceber qual é o melhor algoritmo para fazer chegar às pessoas as notícias mais importantes, já usaram editores humanos e digitais – tiveram sucessos e fracassos com ambos. A nossa missão é participar nesta conversa e, francamente, ajudá-los. Tudo isto terá um grande impacto no jornalismo.
Mas será que as grandes empresas tecnológicas, como o Facebook, estão genuinamente interessadas em jornalismo ou só se preocupam com a sua estratégia empresarial?
Acredito que sim. As empresas tecnológicas já perceberam – eu sei que o Google e o Facebook já perceberam porque têm feito várias experiências – que é benéfico para elas garantir a qualidade dos conteúdos que difundem. Neste momento, estou mais preocupada com a possibilidade de os jornalistas não estarem representados nos círculos onde estas experiências são planeadas do que com a independência do jornalismo.
Como olha para o movimento Pardon Snowden (que pede a Obama para perdoar Snowden por ter revelado documentos secretos da NSA)?
Como diretora-executiva de uma organização sem fins lucrativos não sou a melhor pessoa para falar sobre isso. Obviamente que os delatores são muito importantes para conseguir grandes histórias. O que está em causa em casos como o de Snowden é quão longe se vai quando se divulga informação. A última coisa que queremos que um “garganta funda” faça é que ponha pessoas em perigo, além daquelas que merecem estar em perigo.
A necessidade urgente de financiamento que muitas empresas de comunicação social atravessam pode pôr em causa a sua independência?
Os media sempre dependeram de financiamento. Sempre houve uma grande dependência de parceiros e anunciantes ao ponto de, em alguns casos, influenciar as decisões editoriais. Atualmente está a surgir um perigo diferente. As empresas tecnológicas basicamente decidem as notícias que os leitores veem. Este é um problema novo e os meios de comunicação social esperaram demasiado tempo até se preocuparem com ele. Estávamos tão preocupados em manter o status quo que não nos mexemos quando começámos a perceber o que grandes empresas tecnológicas como o Google, Facebook ou Twitter, significavam para os media. Temos de saber o que queremos e o que precisamos destas empresas tecnológicas, temos de nos sentar e de ter essa conversa todos juntos. Acho que isso começa finalmente a acontecer.
No futuro, acha que o jornalismo poderá ser assegurado pelo patrocínio de fundações?
Não sei se o futuro de jornalismo depende disso… Vejo cada vez mais empresas de comunicação social a serem apoiadas por fundações e acho isso muito saudável. As organizações sem fins lucrativos, sobretudo as de media, como a ProPublica, dependem desse financiamento, mas também estão a encontrar formas alternativas de angariação de fundos, como os eventos ao vivo, subscritores, crowdfunding… Não vejo o apoio das fundações como uma má tendência, mas não acredito que seja a solução para todos os problemas.
Qual o princípio ético que corre mais riscos perante o atual ritmo frenético da informação?
Provavelmente, o maior desafio ético atual é a verificação e o rigor, de forma a garantir que o que é publicado está correto tantas vezes quanto possível. Com as redes sociais este é um enorme desafio. Estamos a ficar melhores, mas é algo em que temos de trabalhar.
A ONA está associada à Women’s Leadership Academy (academia de liderança feminina), esse foi um dos motivos para aceitar o convite das Chicas Poderosas?
Os dados sobre o número de mulheres em cargos de liderança não são bons e sentimos que criar uma academia como esta fazia sentido. As redações estão cheias de mulheres, mas são os homens que ocupam cargos de chefia, creio que é assim um pouco por todo o mundo, e queremos inverter essa tendência. Também queremos ver mais jornalistas do sexo feminino nas equipas de programação informática que são predominantemente masculinas.
Consegue imaginar como será o jornal do futuro?
Acho que não será um jornal! [risos] Estamos a assistir ao nascimento do jornal do futuro sempre que pegamos no smartphone para nos mantermos informados. Creio que vamos continuar a seguir nessa direção, mas não tenho nenhuma pista sobre como será no futuro e isso é muito excitante.
Vejo que é uma otimista…
As mudanças entusiasmam-me. Acho que o tempo de sermos pessimistas e arrastarmos os pés perante a indefinição do futuro já passou. Esperámos demasiado tempo até nos sentirmos entusiasmados com as mudanças e orgulhosos por sermos jornalistas.
De que talentos vão precisar os jornalistas no futuro?
O jornalista do futuro vai estar tão confortável a usar novas tecnologias como a escrever uma boa história e não terá dificuldade em escolher a plataforma ideal para distribuir o seu trabalho.
Como vê a cobertura das eleições presidenciais norte-americanas?
Tem sido uma campanha muito interessante. Pela primeira vez, os media tiveram de decidir como cobrir um candidato – Donald Trump – que não tem o perfil dos candidatos habituais. Tem sido difícil ser objetivo ao mesmo tempo que se vê um candidato agir de formas nunca antes vistas. É um desafio para os media e acho que foi preciso algum tempo para se adaptarem. O jornal The Arizona Republic, por exemplo, que existe desde o séc. XIX, decidiu anunciar o apoio à candidata democrata pela primeira vez na sua história.