Chama-se Juan Pablo mas há muitos anos que usa o nome Sebastian. Sebastian Marroquín, e não Escobar, o apelido do pai, Pablo, o maior narcotraficante da história, um dos homens mais ricos do mundo graças à cocaína. Nascido em Medellín, a segunda maior cidade da Colômbia, em 1977, Sebastian começa por lamentar que os autores de Narcos, série novamente nas bocas do mundo por ter estreado a segunda temporada, não se tenha interessado pela versão da família.
Reza a versão oficial que “El Pátron”, como o traficante era conhecido, foi abatido pela polícia colombiana, com o apoio dos EUA, em 1993. O filho contava 16 anos e preparava-se para lhe seguir as pisadas. Acabou a prometer vingar a morte do pai. Mas nos últimos cinco anos, saiu do seu refúgio na Argentina, para onde a família se mudou, e passou a andar pelo mundo a dar conferências sobre a vida do seu pai e a sua infância – desmontando que a vida de “narco” tenha algum glamour. Fisicamente muito parecido com o pai, quase sempre de preto por respeito às mais de 3 mil vítimas de Escobar, sempre o caracterizou como um pai amoroso mas também como um chefe ameaçador, alguém capaz de fazer explodir aviões em pleno voo, ordenar ataques à bomba em carros ou aviões e oferecer milhões pela recompensa de polícias. “Plata ou plomo?”, qualquer coisa como dinheiro ou chumbo, era a divisa com que fazia girar o seu mundo.
“Era um homem cheio de contradições”, disse recentemente Marroquin, hoje com 39 anos, citado pelo Huffington Post, perante as 1500 pessoas que encheram um teatro em Guadalajara, cidade mexicana fortemente atingida por uma onda de violência devido ao tráfico de droga. “É que apesar do seu comportamento fora de casa, ele era um pai amoroso, um bom conselheiro e o meu melhor amigo.” Muitas outras revelações se seguiram a esta, como contou no livro “Pablo Escobar, meu pai – as histórias que não deveríamos saber”, editado pela Planeta no ano passado, e dedicado a Escobar, claro, “que me ensinou qual o caminho a não tomar.”
Segundo especifica ainda o Wall Street Journal, são palestras em que Marroquín compara a sua infância em Medellín a crescer num parque temático. Aos 13 anos, tinha dezenas de motos e o seu próprio apartamento. Brincava com zebras e cangurus no jardim zoológico particular do pai. No aniversário seguinte, ganhou um Ferrrari Testarossa. Mal o conduziu: por essa altura, a polícia tinha intensificado as buscas. “Uma vez, escondidos num apartamento repleto de milhões de euros, passámos fome porque era demasiado arriscado sair para comprar comida”, contou ele, rematando que quanto mais dinheiro tinham, maiores eram os problemas.
“Plata ou plomo?”
Quem era realmente o narcotraficante de quem mais se tem falado nos últimos tempos? Era alguém suficientemente inteligente para ajudar a população carente da Colômbia, usando a ideologia que ele dizia ser anti-imperialista para camuflar as suas ações. Alimentando uma imagem de Robin Hood, de quem tirava aos ricos para dar aos pobres, foi construindo estádio e financiando clubes. Em troca, a população não só não o denunciava como lhe passava todo o tipo de informações, protegendo-o das autoridades.
Nascido em Rionegro, a pouco mais de 20 quilómetros da grande Medellín, Pablo Emílio Escobar Gaviria, de nome completo, teve uma infância pobre, sendo o terceiro de seis irmãos, filho de um camponês e de uma professora. Ainda começou os estudos em Ciências Políticas mas desistiu por não conseguir pagar a mensalidade. Foi então que decidiu entrar no mundo do crime – primeiro com pequenos golpes de contrabando de cigarros falsos e bilhetes de lotaria falsificados, depois a roubar carros e a atuar como guarda-costas. Antes de se lançar no tráfico, conseguiu 100 mil euros por raptar um executivo. Aos 22 anos, já era milionário. Pouco depois, corria o ano de 1976, envolve-se no tráfico de cocaína.
Começou por encomendar uns homicídios aqui, comprar uns juízes ali e, num piscar de olhos, estava a por em prática a política de subornar ou matar as autoridades, o famoso sistema “Plata ou plomo”. Na década seguinte, a sua rede de distribuição de droga ganhou uma dimensão internacional – e o cartel de Medellín era peça chave para a cocaína que chegava aos Estados Unidos. E Escobar não se fazia rogado: fazia de tudo para atingir os seus objetivos. Em 1991, na iminência de ser extraditado para os Estados Unidos, fez um acordo com o governo colombiano e deixou-se prender numa prisão luxuosa, construída por ele mesmo, a conhecida La Catedral. Ainda assim, mesmo preso, seguia a sua atividade ilegal.
Um ano depois, ao saber que preparavam a sua transferência para outra prisão, e receando ser mesmo extraditado, Pablo Escobar fugiu – dizia sempre “prefiro uma cova na Colômbia a uma cela nos EUA”. Morreu em 1993, no final de um tiroteio, depois de encurralado nos telhados de Medellín, momento que já conheceu várias versões e do qual restam apenas algumas fotos tiradas pela polícia, a posar junto do prémio: um descalço, barrigudo e morto Pablo Escobar.
Da Argentina para o mundo
É depois disto, segue o norte-americano Wall Street Journal, que Sebastian Marroquín e o resto da família se instalam, meio furtivamente, em Buenos Aires. Ele e a mãe ainda estiveram presos por um curto período de tempo, no final dos anos 1990, depois de a sua verdadeira identidade ter sido descoberta. Acusados de lavagem de dinheiro, só em 2006 o Supremo Tribunal deixou cair o processo. Nada que tornasse mais fácil para a família arranjar emprego, confessa.
Foi então que decidiu abraçar a sua história. Uma primeira edição de “Pablo Escobar – meu pai” saiu em 2009. Em 2010, protagonizava o documentário Pecados do Meu Pai. Dois anos depois, lançava uma linha de roupa com imagens raras do pai estampadas e mensagens a encorajar as pessoas a não seguirem o seu caminho.
Os seus críticos bem o acusam de ganhar dinheiro com a tragédia – mas Marrroquín riposta que tem mais direito a viver do seu passado do que outros – seja em forma de livros, filmes ou séries de televisão. A mais recente, Narcos, por exemplo, também não escapou à sua crítica mordaz – e apesar da série sempre se ter assumido que algumas partes eram ficcionadas, Sebastian Marroquín já veio a público assinalar os seus erros. 28, no total (ver caixa). Claro que todo este alarido fez aumentar ainda mais as audiências da série da Netflix, que já anunciou mais duas temporadas. O teaser é simples, muito simples: “Pablo Escobar morre, a cocaína não.”
Os 28 erros de Narcos… segundo o filho de Escobar
Sebastian Marroquín serviu-se da sua página de Facebook para, logo depois da estreia da segunda temporada da série da Netflix, contar ao mundo que:
1. O tio materno de Juan Pablo Escobar, Carlos Henao, não era um narcotraficante, mas sim um arquiteto que desenhou e ajudou a construir algumas partes da quinta Nápoles, a grande mansão de Pablo Escobar. De acordo com Sebastian Marroquín, era “um grande homem, trabalhador e amigo”, que nunca foi condenado por nenhum crime nem viveu em Miami.
2. Ao contrário do que diz a série, Pablo Escobar não era adepto do Atlético Nacional, mas sim do Deportivo Independiente Medellín. “Se os argumentistas nem sabem a equipa favorita de Pablo, como é que podem contar o resto de uma história assim e vendê-la como certa?”
3. Um dos principais sicários de Escobar, La Quica, estava preso em Nova Iorque por falsificação de documentos quando Pablo escapou da Catedral, a prisão mais luxuosa da Colômbia construída pelo próprio cartel. Por isso, La Quica nem deveria aparecer na segunda temporada.
4. Na fuga da Catedral, quase não houve confrontos. Apenas morreu um funcionário da prisão e Pablo Escobar não tinha contactos nem ajuda para escapar. Logo quando foi construída, a Catedral tinha um plano de fuga: havia alguns tijolos soltos para um caso de emergência.
5. O motorista inocente que é contratado por La Quica no início da temporada, Limon, na realidade já trabalhava para o irmão mais velho de Pablo, Roberto “Osito”, há mais de 20 anos.
6. Pelo que diz Juan Pablo Escobar, não é verdade que os cartéis de Medellín e Cali negociaram para controlar o tráfico em Miami e Nova Iorque, respetivamente. “A verdade é que ainda hoje o mercado das drogas ilegais é tão grande que vai haver sempre traficantes a menos para a quantidade de consumidores”.
7. A CIA não avisou os irmãos Catano sobre o grupo Los Pepes, composto por inimigos de Pablo Escobar. Foi Fidel Castaño que o fez, com a cumplicidade do cartel de Cali e das autoridades.
8. “A minha mãe nunca comprou ou usou uma arma. Tudo sobre isso é uma mentira”.
9. Pablo Escobar não matou pessoalmente o coronel Carrillo.
10. Na série, os responsáveis por gerirem a rede de tráfico de Pablo Escobar, quando estava na prisão, Moncada e Galeano, são mortos pelo próprio Pablo numa visita deles à Catedral que corre de forma trágica. Na realidade, não foi assim que aconteceu. Os dois foram raptados pelo cartel de Cali e depois libertados, em troca de informações sobre Pablo. Pela traição, Pablo ordenou a morte dos dois — embora se tenha arrependido ao último minuto de matar Moncada, mas este já tinha morrido quando Escobar cancelou a ordem.
11. No fim da sua vida, Pablo Escobar não estava rodeado do seu grupo, estava quase sozinho. “Excepto Angelito e Chopo, todos se tinham rendido ou estavam mortos”.
12. “Não havia qualquer conforto nos dias a seguir à fuga da Catedral. Estávamos a viver em barracas, não em mansões”.
13. A história de Leon em Miami não aconteceu. Ele não viveu nos EUA e morreu depois de ser raptado e torturado pelos Castaños, em Medellín.
14. Pablo Escobar nunca ameaçou as pessoas de Cali. Pelo contrário, fez um comunicado em que dizia que a sua mulher e parte da sua família também eram originalmente da cidade.
15. Ricardo Priscus já estava morto há muito tempo quando a história da segunda temporada se passa.
16. Pablo Escobar nunca atacou a filha de Gilberto Rodriguez, nem nenhum membro da família, no seu casamento. “Essa era uma regra, não se toca nas famílias”.
17. “O meu pai nunca nos obrigou a viver escondidos com ele, ele pensava era que a nossa educação e outras oportunidades seriam melhores assim”.
18. “Nós só estivemos num único tiroteio com o meu pai, mas não foi como o da série”.
19. Em “Narcos”, os ataques de bomba à rede de fachada das farmácias liderada por Gilberto Rodriguez acontecem em 1993, mas na realidade aconteceram entre 1988 e 1989.
20. A mãe de Pablo Escobar traiu-o e aliou-se ao seu filho mais velho, Roberto “Osita”. Negociaram com os Los Pepes e colaboraram tanto que continuaram a viver tranquilamente na Colômbia enquanto todos os aliados de Escobar estavam exilados ou mortos.
21. “A viagem à Alemanha não foi assim. A minha avó paterna não viajou connosco”.
22. O Ministério Público da Colômbia não quis ajudar assim tanto, como foi mostrado na série. A organização tinha infiltrados do cartel de Cali. “Nós éramos reféns, raptados pelos nossos e acusados do crime de sermos familiares [de Escobar]. Éramos duas crianças e duas mulheres trancadas num pequeno quarto de hotel”.
23. A jornalista Virginia Vallejo, que foi amante de Pablo Escobar, nunca falou com a mulher de Pablo depois da fuga da Catedral. Foi só uma década depois, quando Pablo e Virginia se voltaram a encontrar, quando ela também era amante dos líderes do cartel de Cali.
24. No hotel Tequendama, Pablo Escobar não enviou telefones à família, eles usavam o de lá. “Eu desligava a chamada, sempre que ele ligava, para o proteger. Mas ele era teimoso e ficava tempo de mais na linha, e sabia que o iam apanhar por isso. ‘O telefone é a morte’, disse-me toda a vida”.
25. Nenhum jornalista foi assassinado em frente do hotel Tequendama.
26. Pablo Escobar nunca tratou mal os pais. “Nunca houve uma conversa nesse tom ou com esse sentido”.
27. Depois de Escobar morrer, a mulher foi chamada para uma reunião com o cartel de Cali, onde havia mais de 40 líderes de organizações criminosas de toda a Colômbia. A pessoa que a salvou não foi o Gilberto, mas sim o Miguel Rodriguez.
28. “A minha avó disse na série que foi a minha mãe que traiu o meu pai? Quando era ela e os seus filhos que conversavam em segredo com o cartel de Cali”.