O ator Ângelo Torres considera que está agora no topo da sua carreia, mas admite que demorou demasiado tempo até aí chegar: “Quatro vezes mais” do que os colegas. Já fez teatro, cinema e agora é figura de topo de telenovela. A ele sempre o elogiaram enquanto “bom” ou “muito bom”, mas viu-se sempre ultrapassado por colegas “assim-assim”, só porque eram, diz, claros e de olhos azuis.
E salienta: “Eu sou um ator que é preto e não um preto que é ator”.
Nasceu, em 1968, na Guiné Equatorial, mas passou a infância em Espanha. Das imagens mais marcantes que guarda até hoje é a de estar em Madrid num parque infantil. Aproximou-se de dois miúdos espanhóis para brincar e um deles passou-lhe um pano branco pelo braço e exclamou, dirigindo-se à avó: “Olha, não suja!”. Ângelo automaticamente deu-lhe um murro, a avó do miúdo desatou aos gritos, gerou-se um escândalo, chamou-se a polícia. “Curiosamente», recorda, “nenhum dos pais presentes, talvez embaraçados com a situação, testemunharam a minha agressão…”
O único negro num colégio interno em Espanha
Ele e o primo eram os únicos meninos negros de um colégio interno católico, em Palência. A madre diretora, “que com todo o seu preconceito achava que ‘negro é igual a voz espetacular’” insistia para que ele participasse no coro da escola, mas o padre maestro manifestou em alemão que “não queria ver uma cara negra entre os restantes meninos”. Um dos colegas traduziu-lhe o comentário: “Encolhi os ombros e passei a dedicar-me ao pingue-pongue. Pelo menos, o padre teve o cuidado de dizer aquilo em alemão para eu não perceber… Já não foi mau”.
Com a independência voltou para São Tomé, de onde era oriunda a família, aliás, orgulha-se de a resistência aos colonizadores portugueses se ter organizado no quintal do avô. “Foi um choque: nunca tinha visto tantos pretos juntos”.
O preconceito cubano
Seguiu-se Cuba, onde estudou dos 14 aos 21 anos. Cursou Engenharia termo-dinâmica, que segundo ele, tem tudo a ver com a sua actual profissão de actor: “Transmissão de energias”, ri-se. Em Cuba, comenta, fez-se homem, ganhou consciência política, diz-se “de esquerda fidelista: em nunhuma parte do mundo vi uma divisão de tão pouco por tantos”. Mas também numa sociedade altamente escolarizada e instruída, sentiu o preconceito. No liceu, engravidou a namorada. Foi chamado ao gabinete do diretor, onde o esperava o pai da rapariga. Pelo intercomunicador ecoou o seu nome Ângelo Bandeiras (o seu segundo apelido). O pai, a julgar pelo nome, esperava um hispânico e, quando o viu, comentou: “Tu devias chamar-te Kunta Kinte [protagonista da série americana Raízes que passava lá na TV]”. E, virando-se para a filha: “Tu não podias ter arranjado um macaco mais macaco…”. Aí Ângelo jogava a última cartada. Na altura, a pior coisa que se podia chamar a um cubano, muito pior do que racista, era contra-revolucionário, e sempre que lhe vinham com preconceitos raciais, advertia: “compañero, tu comportamiento es antirrevolucionário”. E as coisas acalmavam automaticamente.
A partir daí já não se deixaria apanhar desprevenido. Nem com racismo subtil de Lisboa, as pessoas que agarravam a carteira ou que mudavam discretamente de passeio quando o avistavam… Agora é ele que evita as pessoas, dada a notoriedade nas novelas (A Única Mulher, TVI) tem de andar quase disfarçado na rua. Aliás, aproveita essa celebridade para fazer o que mais gosta: praticar o seu ativismo, enquanto contador de histórias a jovens nos bairros periféricos.
A eleição de Obama não o seduziu por aí, “é americano…”, desvaloriza. “Vibrei mais com eleição do presidente do Benfica”. A polémica de Hollywood pela ausência nomeados negros nos óscares também não. Irrita-o quando lhe dizem que ele é o preto mais europeu que conhecem, “porque essa afirmação já contém em si racismo”: “Não há muito racismo nem pouco racismo. Há racismo ponto”. Mas também, admite, há muita gente simplesmente estúpida.
Durante muito tempo ouviu dizer que os espectadores não estavam preparados para verem pretos na TV. Provavelmente os eleitores também não estariam preparados para ter negros em órgãos governativos. “Mas tudo se educa, só que lentamente”. Teve uma educação muito politizada. Em casa diziam-lhe “tens de ser quatro vezes melhor do que um branco, quatro vezes melhor estudante, quatro vezes melhor desportista…”. Foi um erro, comenta hoje. “O que deviam ter dito é ‘tens de trabalhar quatro vezes mais’….