Ligaram-nos antes de chegarmos à encantadora Casa de Santa Maria, em Cascais. Agatha atrasara-se um pouco, porque entre uma entrevista e outra quis espreitar os museus da vila, mesmo ali ao lado, e perdeu-se no meio das suas coleções. Aproveitámos esse compasso de espera para olhar os divertidos modelos (será preciso escrever como são coloridos?) da estilista e designer espanhola que estarão ali expostos, mesmo em cima do mar, até outubro. Quando depois nos sentámos lado a lado, as respostas começaram a fluir, sem que pudéssemos imaginar as vezes que seríamos interrompidos.
A sua relação com Portugal sempre foi estreita. Já veio cá diversas vezes, pintou prédios em Guimarães, fabrica cerca de 80% das suas peças no Norte do País, tem uma loja no Porto… Como veio parar, desta vez, a Cascais?
Vim com duas amigas, mãe e filha. A mãe é comissária de exposições e já trabalhou muito comigo e com a Paula Rego, por exemplo. Há dois anos, anunciou-me: no verão de 2016 faremos um exposição retrospetiva em Cascais. E aqui estamos. No ano passado tive 11 mostras individuais e 25 coletivas. Entretanto, precisei de descansar e só regressei com esta.
Conhecia Cascais?
Não. E nem sabia que tinha tantos museus pequeninos – sou obcecada com museus e conheço muitos.
Costuma frequentá-los?
Sim, a toda a hora. Por isso parece-me estranho não ter ouvido falar destes de Cascais. Dizem-me sempre: em Portugal há crise. Mas eu venho aqui e vejo tudo novo, tudo maravilhoso, limpo e arranjado, para aí uns vinte museus espetaculares. Não me apercebo de crise em lado nenhum, sou uma imbecil. Cada vez gosto mais de Portugal, e estou a planear fazer um livro sobre o País, à semelhança dos que já publicámos sobre Paris e Itália.
Porque produz a maior parte da sua roupa no Norte de Portugal há tantos anos?
As fábricas portuguesas são muito melhores do que as espanholas. Agora quase já não existem, mas antes encomendava-se algo a um espanhol e ele respondia imediatamente que era preciso pedir mil unidades. Faz-se a mesma encomenda aqui e dizem-te simplesmente “está bem”. A atitude é completamente diferente.
Porquê esta retrospetiva agora?
Não é de agora. No dia 25 de março de 2011 cumpriram-se 30 anos do meu primeiro desfile e inaugurei a Fundação Agatha Ruiz de la Prada…
Com que fim?
É uma fundação de moda. Não se pode imaginar o trabalho que dá catalogar, ordenar tudo o que saiu na imprensa e os livros. Desde que abrimos, já publicámos 13 livros temáticos.
Voltemos à exposição…
Depois da inauguração da fundação, achei que devia fazer um desfile com os meus trinta vestidos favoritos. Acabou por ser em Veneza. Nem queria acreditar que estava ali, na Praça de São Marcos, no mesmo sítio onde tinha estado uma mostra do Klimt. A seguir, passou pelo Peru, Chile, Panamá, México e agora Cascais.
Porque tem tanta necessidade de diversificar a sua marca, para lá da moda?
Ela está em produtos tão diversos como uma cadeira ou um telemóvel… Venho de uma família de arquitetos e eles sempre tiveram vontade de fazer coisas diversificadas. O meu pai, por exemplo, tinha uma empresa de desenho de móveis. O desejo de me meter noutras coisas fez com que a minha vida fosse muito mais divertida do que se me dedicasse exclusivamente à moda. Assim que entro num sítio, penso logo no que poderia fazer, desde o guarda-roupa de uma peça de teatro a chaminés ou portas blindadas de uma casa, ou azulejos para decorar uma parede. São milhões de possibilidades de objetos, e isso é muito divertido.
Apesar de não gostar de cozinhar, já se associou a várias marcas de comida. É por gostar de comer?
Sim, adoro comer. Já fiz caixas de sushi, etiquetas para melancias (está a vender-se imenso), embalagens para maçãs, uma pizza… E também desenhei várias jalecas para chefes (até já fiz uma exposição só com essas peças). A gastronomia está em voga e a relação entre a moda e a comida é muito importante. Há muitíssimos anos, um dos meus primeiros produtos industriais foi um serviço de loiça que teve imenso êxito – vi-o em vários museus do mundo e muitos chefes usaram-no (Ferran Adrià e Arzak, só para citar alguns). E, claro, como usaram a minha loiça, atendem-me muito melhor: se não houver lugar nos seus restaurantes, vão desenvencilhar-se para me arranjar um. Ter amigos cozinheiros é fundamental, sobretudo quando não se sabe cozinhar.
Em Portugal, o que gosta mais de comer?
Como sempre bacalhau. Há quem não goste, mas todos os gastrónomos do mundo dizem que é o prato mais importante.
Podia pensar-se que, ao ter estudado moda em Barcelona, sempre quis ser estilista. Mas a história não é bem assim, pois não?
Em miúda queria ser pintora, mas depois meti-me nisto. Não estou nada arrependida, porque tem sido tão divertido… Só para dar como exemplo, a minha relação maravilhosa com Portugal é 97% profissional. Ainda assim, tenho um monte de amigos portugueses – a propósito, já que cá estou, devia telefonar-lhes…
Considera as suas peças intemporais?
Sim, há vestidos de há 20 anos que são muito mais bonitos do que os que faço hoje, talvez por serem mais meus. Agora tenho sempre a colaboração do atelier.
E ficam bem a qualquer mulher (ou criança)?
Não, é preciso ser muito valente para os usar. Tenho a sorte de a minha filha, que está a trabalhar comigo, se atrever a vesti-los todos. Antes, eu também o fazia, ao contrário de muitos estilistas do mundo. Sou das únicas que aparece sempre com os seus próprios modelos, de “Agatha”.
Antes? Mas neste momento está vestida com peças suas…
Mas já tenho 55 anos e estou mais gorda e algumas não me cabem [risos].
Não desenha modelos para serem vestidos por todas as mulheres?
Tenho uma coleção de roupa normal, e essa tento que seja para toda a gente. No caso deste tipo de vestidos [aponta para os que estão expostos], mais do que ser magra há que ser muito atrevida. As pessoas preferem ter em casa um sofá fúcsia, em vez de vestirem uma camisola dessa cor.
E isso porquê?
A roupa está relacionada com muitos medos e inseguranças. Por isso é tão complicado desenhar vestidos de noiva. Primeiro dizem-nos: faça-me o que quiser; mas depois começam a referir que têm os braços gordos ou que não gostam de mostrar as pernas. A maioria das noivas não está acostumada a festas e transformam o momento do casamento numa grande ansiedade. E ainda gastam muito mais dinheiro do que deviam.
As cores fortes sempre foram a sua marca. Acha que estando colorida por fora, conseguirá estar por dentro?
As cores são a luz e ajudam-nos imenso a sermos felizes. Se uma pessoa se veste de escuro e tem a casa escura e triste, isso não ajuda nada. Se usar cores, se a casa for alegre, é difícil ficar deprimida. Preto é uma cor dolorosa, da morte. Há muita gente que crê que vestindo-se de negro está elegante. Que disparate, não?
Refugiou-se nas cores para escapar ao ambiente deprimido da sua casa?
Uma das minhas avós era a pessoa mais alegre do mundo, mas teve uma filha – a minha mãe – com um problema gravíssimo de depressões (chegou a dizer-me que era mais fácil lidar com o cancro que desenvolveu a certa altura da vida do que com as depressões). A minha mãe, que aparentemente tinha tudo para ser feliz, conseguiu ser muito infeliz a vida toda. Perante estes dois exemplos, preferi ser como a minha avó. O bom é que, com o meu trabalho e todas estas cores, torna-se impossível deprimir-me.
É fã da nossa Joana Vasconcelos. Tem outras referências portuguesas?
Diria que, atualmente, ela e Yayoi Kusama são as duas artistas mais importantes do planeta. E ainda por cima sou amiga dela.
Todos esses corações na sua roupa significam que está apaixonada?
Não sou nada namoradeira, nem os corações têm algum significado especial. É um dos muitos elementos pop que estão presentes nas minhas criações, como os arcos-íris, as nuvens, as bolas ou as flores…
É casada com um notável jornalista [Pedro J. Ramírez]. Como se vive com uma pessoa que foi criando inimigos na classe política espanhola ao ponto de ter sido afastado da direção do diário El Mundo?
Não sou casada, vivo com ele.
Isso é um pormenor…
Ele perdoa aos seus inimigos muito mais depressa do que eu. Viver com uma pessoa tão influente é muito divertido, pois conheço toda a gente: os desportistas, os presidentes, os escritores, os pintores…
Conhece porque o acompanha muito?
Porque estou metida nisso. Ou vêm a minha casa ou somos convidados para algum evento. Por exemplo, já estive a jantar com Michelle Obama, só com mais dez pessoas. Fiquei muito impressionada com ela, é uma mulher tão poderosa e simpática.
Já concorreu várias vezes a eleições, pelos Verdes, sem nunca ter sido eleita. É ambientalista?
Sempre fui. Adoraria ser presidente da câmara de uma cidade pequena, apesar de nunca ter concorrido.
O que faz pelo ambiente no seu dia a dia?
Sou uma chata. Faço muitas coisas, mas ainda assim gostaria de fazer muito mais.
E na indústria, tem alguns cuidados ambientais?
Muito menos, porque aí não controlo. Em Espanha, o mundo da moda sofreu imenso. Se antes existiam 100 fábricas de tecidos, entretanto fecharam 99 – uma indústria assim, doente, não se preocupa com o ambiente. Mas no outro dia fui visitar uma fábrica da Inditex e vi que estava tudo preparado para a reciclagem e que tinham posto energia solar. Se eu for à Índia dizer que não podem usar tinta contaminante, vão-se rir na minha cara. Se for lá a Zara ou a H&M, têm mesmo de abdicar do uso, ou correm o risco de fechar portas.
Como vê a situação política espanhola atual?
Está complicada. O melhor seria que o Mariano Rajoy se fosse embora, como fez o David Cameron em Inglaterra, depois do Brexit. Mas em Espanha ninguém se demite. Agora estou alinhada com o Ciudadanos e sou muito amiga do Alberto Rivera [presidente do partido], embora os Verdes estejam com o Podemos.
O que pensa do advento dos novos movimentos feministas. São necessários numa época como esta?
O tema da igualdade em Espanha sempre esteve bem resolvido. Atualmente há várias presidentes de câmara mulheres, por exemplo, e, por duas vezes, tivemos vice-presidentes no Governo. No entanto, penso que esses movimentos têm de existir sempre, porque se trata de um tema (assim como a ecologia) que não pode ser esquecido, pois, na realidade, continua a existir muita desigualdade.
Sente-se bem com o facto de pertencer à aristocracia espanhola? Como conseguiu fugir às suas apertadas regras?
Em Espanha, existiu a ideia feita de que, quando se pertence à aristocracia, não é preciso trabalhar. Isso foi muito mau para o país, mas esteve enraizado durante várias gerações. Se a minha mãe tivesse trabalhado, teria sido infinitamente mais feliz, e ela tinha consciência desse facto. Talvez por isso, sempre percebi que era muito melhor para mim trabalhar.
Gosta mais de estar em casa do que ir para a rua. É-lhe difícil lidar com o facto de ser reconhecida ou foi sempre assim?
Adoro as pessoas e ir aos sítios e conviver, mas também é bom estar em casa sossegada, sozinha, a ler um livro.