Foi com incredulidade que nos deparamos com recentes declarações sobre a legalização da eutanásia (vd. as publicadas na Revista VISÃO por um Senhor Enfermeiro identificado como Francisco) e da convicção que a mesma já acontece na realidade dos nossos cuidados de saúde. Não podemos deixar de manifestar o nosso breve testemunho como Enfermeiros.
Durante toda a nossa experiência de nove anos de prestação de cuidados a doentes paliativos com mais de dois mil doentes atendidos podemos dizer que raros foram os casos de pedidos de eutanásia. E nestes casos, estava presente sofrimento físico não tratado, perda de autonomia e dignidade e sentimento de abandono, necessidades que podem ser colmatadas com uma intervenção multidisciplinar prestada por uma equipa de cuidados paliativos. É fundamental que esta equipa de cuidados seja constituída por vários profissionais, e que cada um desses profissionais tenha formação específica na área. Só dessa forma é possível prestar cuidados adequados às necessidades de cada doente e família. Se os profissionais não estiverem devidamente preparados para avaliar as necessidades específicas de cada doente corre-se o risco de serem descurados aspetos que contribuem de forma decisiva para o alívio do sofrimento e promovem a dignidade em fim de vida.
Os doentes têm direito a escolher, a decidir sobre a sua doença, tratamentos e qualidade de vida, mas não o podem fazer conscientemente se não estiverem informados nem lhes forem oferecidos cuidados adequados. Na nossa realidade profissional, os doentes, apesar de terem uma doença crónica, incurável e progressiva, conseguem viver com qualidade de vida, usufruir dos seus papéis sociais e familiares, dar e receber amor, sentir-se acompanhados, ouvidos, importantes e úteis, dignos e reconhecidos, e em momento algum identificam a nossa Unidade como a “antecâmara da morte”, como o Enfermeiro Francisco relatou recentemente. Porque na nossa realidade todos os dias existe uma equipa que presta cuidados para a vida.
Por outro lado, negamos que durante todo o nosso tempo de exercício profissional tenhamos assistido ou participado em atos como os referidos pela Sr.ª Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, lamentando que tais afirmações tenham sido proferidas por quem representa uma classe profissional, vinculando todos os profissionais, já para não referir o facto de comprometer o sigilo profissional, fazer emergir de forma pouco clara questões éticas relevantes, corromper o nosso código deontológico e, mais importante, lançar desconfiança na relação entre as pessoas doentes e os profissionais de saúde.
Ana Filipa Paiva da Silva Guedes;
Ana Rita Santos e Silva
Carlos Miguel Nunes Rodrigues;
Catarina Potier Godinho Torre do Valle de Almeida Mota
Marco Ivo Coimbra Fino Oliveira Vieira.
Unidade de Cuidados Continuados e Paliativos; Hospital da Luz – Lisboa