Quando, a 25 de abril, um terramoto com uma magnitude de 7,8 fez estremecer o Nepal, matando oito mil pessoas, João Garcia estava de viagem marcada para daí a quatro dias com destino a Katmandu, para liderar uma expedição de trekking ao Vale do Khumbu, junto ao Evereste. Mas o alpinista de 47 anos (um dos mais experientes do mundo, o décimo a escalar os 14 picos acima dos oito mil metros) decidiu manter os planos, contra as recomendações de governos de todo o mundo. A tragédia não era razão para ficar em casa. Pelo contrário. Era motivo suplementar para fazer as malas e pôr-se a caminho.
“O Nepal é como Portugal: não tem petróleo. Vive do turismo”, lembra João Garcia. “E esta época já se foi. É uma segunda catástrofe. Se as pessoas passarem a ir para outros destinos, estão a cavar um buraco ainda mais profundo, a tornar mais dolorosa a recuperação daquele povo.” Ao chegar à capital nepalesa, acompanhado por mais nove portugueses, o montanhista encontrou uma cidade menos destruída do que esperava. “Noventa e oito por cento dos edifícios estavam bem.
O problema maior foi nas aldeias da região, com habitações rústicas construídas com pedra em cima de pedra.” Aí sim, os efeitos do sismo revelaram-se catastróficos. “Algumas povoações ficaram arrasadas, incluindo a que servia o campo-base do Evereste; noutra, 200 casas ficaram debaixo do gelo que se desprendeu de uma encosta.”
‘Havia equipas de resgate que não sabiam para onde ir’
João Garcia e os companheiros caminharam por Khumbu, quase sozinhos. Com mais de 30 carimbos do Nepal no passaporte, oalpinista nunca tinha atravessado o vale sem se cruzar com outros caminhantes, ou helicópteros com turistas. Ao fim de duas semanas (que incluíram uma forte réplica do sismo), João despediu-se do resto do grupo, que regressou a Portugal, e ficou os sete dias seguintes em Katmandu a dividir sacas de arroz, lentilhas e bolachas, e a distribuir pregos, arame, oleados, sopa e pacotes de chá.
Naquele momento, toda a ajuda era pouca, para compensar alguma descoordenação humanitária. “Havia equipas de resgate que não sabiam para onde ir, decisões do governo que demoravam tempo a chegar.” Por agora, a carência maior é material de construção vem aí a monção. “Vai ser duro. Junho, julho, agosto e uma parte de setembro é sempre a chover, e as pessoas precisam de um sítio seco para passarem a noite. Mais tarde, no outono, é que se vão preocupar em fazer uma casa definitiva para o inverno.” Até lá, a população, também aproveitando o que sobra das habitações, tem erguido nos quintais tendas ou barracas com leves telhados de zinco.
“Ainda se nota o stresse pós-traumático: ninguém quer dormir dentro de uma casa.” O auxílio de João Garcia ao Nepal não terminou quando voltou para casa o montanhista organizou um jantar de angariação de fundos no restaurante nepalês junto à Igreja de São João de Brito, em Lisboa, para domingo, 31 de maio (inscrições para: ines@papa-leguas.com). “São 20 euros por jantar, e 14 vão para a ONG Khumbila Conservation Trust. É o suficiente para alimentar uma criança na escola durante três ou quatro dias, ou pagar 20% de uma bateria solar para duas famílias.”